sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O ovo e a galinha, quem veio primeiro?

Prof. Roney Signorini – Consultor Educacional
roneysignorini@ig.com.br


A pergunta do título é clássica, quase um bordão, quase uma brincadeira, dessas que também questionam se a zebra é branca com listras pretas ou ao contrário.

No último dia 22 do mês, o jornal O Estado de S.Paulo publicou matéria sobre o assunto do analfabetismo sob a rubrica de João Batista Araújo e Oliveira, referenciando um "pedido" do presidente Lula ao seu ministro da Educação pelo qual cobra ações e resultados mais eficazes naquela consecução.

Então, o articulista diz que infelizmente o assunto não se resolve por decreto, com toda a razão pois a solução que se pretende não pode se dar por uma canetada. Isso é possível, sim, mas girando a metralhadora para outro alvo: o curso de Pedagogia e todas as licenciaturas.

Aliás, em matéria do dia 30, publicada pela Folha de S.Paulo, alguns pedagogos da Unicamp se defendem contra o Secretário Paulo Renato, sem conseguirem convencer a muitos leitores, embora se achem "o alvo de injustas críticas por parte de quem administra os destinos do ensino público paulista". Há um equívoco na matéria: os autores afirmam que as universidades públicas paulistas detêm 25% das vagas contra 75% das privadas, resta saber, a bem da verdade, quantas em cada segmento estão efetivamente ocupadas.

Quanto ao primeiro, anos decorreram — e ainda não idealmente — a discutir no CNE os propósitos e objetivos, os conteúdos e finalidades da formação do pedagogo, em cujo curso as IES ainda não "resolveram" o impasse das cargas horárias e respectivas preocupações do que é Estágio e do que é Prática, confundindo e assemelhando-as como se fossem única ação. Como se não devesse haver a imbricação de uma sobre outra (processo de escamas, de telhado), em complementaridade, mas distintamente. Com a palavra a extraordinária educadora Eunice Durhan, da USP.

O que de fato ocorre com a educação/ensino no ciclo fundamental, porquanto as gerações continuam nascendo com o mesmo intelecto, o mesmo cérebro e nada mudou senão a ambiência das crianças nas escolas?

As IES que têm cursos da natureza de Formação merecem antes de qualquer outro curso uma atenção especialíssima. Uma força-tarefa, um grupo de alta especialização no fazer educativo. Não nas escolas ofertantes do fundamental e médio, mas nos cursos superiores nos quais grassa a negligência, a desídia, como se fossem "cursinhos" de menor importância.

O problema do analfabetismo, em todas as dimensões, está, antes da busca de soluções junto àquelas escolas, principalmente, exclusivamente, unicamente, na observação do corpo docente, na configuração curricular e, por decorrência, programática, na infraestrutura, na biblioteca, nos laboratórios (brinquedoteca, etc.) e tudo o mais que componha o universo na oferta das licenciaturas. Sem isso, continuaremos a formar gente incapaz para assumir o magistério do ensino básico, nas últimas consequências de escolarização. Estamos com fome de só comer ovos fritos, omeletes, cozidos ou até crus sem vigiar as poedeiras, que sob luz intensa estão a botar mais que um ovo por dia, contrariando a natureza, sem nutrientes bastantes, por mais tecnologia que se aplique nas granjas. Tem aluno comendo isopor com formato de ovo.

Na maioria dos cursos de pedagogia, também incluídas as licenciaturas, ainda não chegou a capacitação de formação de professores para educação a distância. Pode? Absurdo!

O cenário lembra uma crônica do espetacular Stanislaw Ponte Preta que contava sobre uma velhinha que todo dia atravessava a Ponte da Amizade (Brasil-Paraguai) trafegando numa reluzente Lambretta e todo dia era revistada sob a possibilidade de estar contrabandeando alguma coisa. Em realidade ela contrabandeava, sim, Lambrettas, e às dezenas.

Já é hora de discutirmos a alfabetização de nossas crianças, que chegam semialfabetizadas aos vestibulares à luz das propostas educacionais do que acontece na formação dos aluninhos, sujeitos a currículos e conteúdos heterogêneos, ao bel-prazer da deriva do processo de ensino no qual abundam profissionais sem formação ou com formação caolha. Antes é necessário discutir a situação dos professores, ou melhor, dos professores dos futuros professores.

Estes, sim, merecem cuidado especialíssimo. A proposta educacional deles está na UTI, em fase terminal. Enquanto os cursos superiores não definirem propostas "universais", concretas, "eixos duros", balizadas no DNA da cultura nacional, sem estrangeirismos nem modismos, sem invenções nem caricaturas de ensino-aprendizagem, vamos amargar outra década do PNE que ora se discute.

A propósito, o Japão implementou um PNE em termos centenários e não decenários. Mal saímos da primeira década, visada pela LDB, e já entramos nas discussões da segunda, sem modificar o que não deu certo, ou quase certo na primeira. Vem por aí uma colcha de retalhos a misturar alhos com bugalhos, sobretudo o que é do jaez público ou particular.

Educação não se pensa como negócios, com materialidade de produtos em linha de produção – como quer a OMC – mas a longo prazo. Sobretudo levando em conta que os conhecimentos novos ficam caducos em apenas 72 horas. É hercúleo objetivo, coisa de passar a borracha sobre os erros e evitar enxugar gelo continuamente.

Se os futuros docentes do ensino básico, ainda hoje nos bancos escolares das universidades, não tiverem o total domínio do novo acordo ortográfico que vigorará efetivamente em 2010 será um deus-nos-acuda. Aí sim, a língua estará definitivamente esquartejada, ao bom estilo de Jack, o estripador.

Interrompamos definitivamente as críticas sobre nossas crianças, que a julgar pelo que se lê e ouve "seriam cretinas", quando imbecilidade é o que perpetramos nas salas de aulas das universidades, na preparação dos futuros professores, a se esperar que sejam extremamente dedicados e abnegados ao mister, altamente preparados e qualificados, com prévia alta formação universitária. Ledo engano com o que aí está. Não tem segredo: diga-me quem foram seus professores e te direi que tipo de aluno és.

Como se vê, o problema é bem mais embaixo, ou muito mais acima, daí o apelo quase patético das IES de "pelo amor de Deus, não nos entreguem no nível universitário esse balaio de incultura". Mas é quase que o feitiço jogado contra o feiticeiro, não é não?

O leitor está com a palavra para fazer seus comentários.

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