segunda-feira, 18 de julho de 2016

A Nau dos Insensatos[1]



Persistência é a irmã gêmea da excelência. Uma é a mãe
da qualidade, a outra é a mãe do tempo. Marabel Morgan

Prof. Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional
signorinironey1@gmail.com

Apropriei o título da maravilhosa obra de Katherine Anne Porter[2] que recomendo a leitura, e desnecessário explicar o porquê.

No Brasil, a exemplo da maioria dos países da América Latina, a sociedade civil se encontra num sério estado de debilidade no que se refere à sua capacidade de influenciar as políticas públicas. Observa-se um crescente distanciamento dos cidadãos da esfera pública e, em alguns casos, uma franca relação de hostilidade entre sociedade e Estado. Nesse cenário, pesquisas de opinião têm mostrado, recorrentemente, que o grau de confiança dos cidadãos na política e nos seus gestores públicos é mínimo.

Movimentos populares como os já deflagrados, embora aglutinem muitas pessoas, têm sido mais catárticos do que propriamente revolucionários: não resolvem, pois não têm lideranças reconhecidas. Talvez elas até nem existam, tal o grau de desarticulação da sociedade. Falta espírito público ao cidadão. Parece que ninguém está preocupado com o país senão consigo próprio, aquela história de solipsismo, do “que seria de mim se não fosse eu e meu umbigo”.

Mas a grande verdade é que o indivíduo faz parte de uma teia complexa que tece com seus semelhantes. Nessa trama, a educação desempenha papel fundamental. Mas a educação que pode atender às demandas atuais é uma educação que implica respeito a si mesmo, ao outro e ao ambiente. Um tipo de educação que, além de contemplar o saber acumulado pela humanidade, incorpore tecnologias, permeadas por valores e ética, espírito crítico, colaboração, criatividade, inovação, empreendedorismo. Trata-se de uma educação para a cidadania, preocupada em preparar indivíduos comprometidos com o seu futuro e o da sociedade em que vivem.

Uma educação que empodere indivíduos para que possam entender-se a si próprios em relação ao contexto no qual vivem, entender esse contexto e entender como esse contexto funciona para que possam saber escolher com descortino quem vai representá-los com integridade, assegurando uma real e profícua transformação da sociedade.
Quando a escola ensinar cidadania vai ser tão bom... E não há outro lugar onde se aprender isso. Por quê? Que escola pode dar certo quando a sociedade claudica porque lhe falta certeza, vacila e hesita com erros e deslizes, das pequenas às grandes falhas estruturais, desaguando em imperfeições de toda ordem?


Assim, ao fazermos que não identificamos essas falhas mais do que assumimos os erros, pois eles atravessam décadas, espancando o infortúnio da mesmice sempre deixando/levando a culpa aos ombros de alguém. Melhor dizendo, de governantes nos três escalões que insistem em jogar a culpa no antecessor, na iniciativa privada, na falta de verba, etc. Da merenda ao uniforme, passando pelo material escolar, salários e propostas curriculares/conteudísticas.

É impensável sequer assemelhar a trajetória educacional de nossa juventude às melhores do planeta daí porque estarmos sujeitos à desclassificação em rankings ainda que esforços enormes sejam alocados sem sucesso. E assim continuará sendo.

Padecemos, senão de todos, de muitos males de toda a incúria despejada sobre a educação, e não é de hoje, ao contrário, vem de séculos de mentiras e enganos, de subterfúgios à  mais declarada infâmia com essa coisa de “pátria educadora”, ardilosa, dissimuladamente odiosa que quer acobertar desvios e iludir.

Vivemos hoje algumas encruzilhadas educacionais pois sabida e certamente não teremos condições de concluir a contento o Plano Nacional de Educação. Vamos ficar “devendo na caderneta do empório”.
A questão do currículo nacional, com mais certeza é um vôo que vai se estatelar no chão sem condições de cumprimentos pois não há gente preparada para assumir em sala de aula os conteúdos ora propostos, se é que já estão definidos, a toque de caixa e cornetas.
No aspecto/questão salarial dos docentes, nem é bom falar sobre pois prefeituras existem que não querem nem ouvir sobre o assunto porque não têm a mínima condição de aplicar em seus lócus.
A formação e preparação de docentes via licenciaturas e pedagogia vão muito mal, obrigado, em suas mesmices e ranços.
Sai Ministro, entra Ministro e a dança das cadeiras continua como num baile junino, entre espoletas, bombinhas, rojões e busca-pés, tudo sob o adocicado da canjica, revoga portaria e demais normas convulsionando ainda mais o setor que já estava em pé de guerra com a entrada em vigor dessas mesmas normas.
O Fies dá o grito ruidoso dos moribundos em agonia  para estudantes e instituições: salve-se quem puder.
      Lá se vai o barquinho, rio abaixo, repleto de insensatez, total falta de juízo para assunto tão delicado. Uma loucura resultante da falta de bom senso, de ponderação; imprudência.


[1] A nau dos Insensatos é um microcosmos no qual estão representados todos os grupos sociais e categorias humanas: artistas, fracassados incapazes de perdoar seu próprio fracasso, atormentados por não haver defendido o que queriam, pessoas sem moral, otimistas, vaidosos, valentes, etc.

[2] Katherine Anne Porter (15/5/1890 - 18/9/1980) jornalista, ensaísta, romancista e ativista política estadunidense, galardoada com o Prémio Pulitzer de Ficção. Conhecida por sua agudeza de espírito, suas obras lidam com temas sombrios tais como traição, morte e a origem do mal humano.

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