domingo, 21 de novembro de 2010

Pode ?

Prof. Roney Signorini – Consultor Educacional
Roney.signorini@superig.com.br


Dia desses a Fuvest deu publicidade da relação de candidatos inscritos ao exame de 2011
oferecendo o número de vagas, o volume de inscritos por curso e a relação candidato/vaga.
Nenhuma novidade se comparada à mesma relação de 2010 e anos anteriores, despontando, como cultural, as mesmas e sempre carreiras campeãs: medicina, direito e administração deixando na rabeira do processo todas as engenharias e licenciaturas.

A delicadeza na análise reside na persistência social de tais escolhas quando o mercado está
exigentemente ávido por engenharias — civil, elétrica, mecânica, alimentos e ambiente.
Agrava o fato de a sociedade só enxergar o umbigo, ou seja, o que hoje o mercado reclama, sem no entanto haver qualquer preocupação com o futuro. Em outras e simples palavras, o mercado de trabalho não será o mesmo daqui a quatro ou cinco anos quando então os ingressantes de agora serão os egressos de amanhã.
Se há culpados nesse cenário pouco ou nada importa mas o todo social vai pagar pesado
pedágio pela incúria. Mas, se existem culpados, há toda uma cadeia em cipoal determinando há muitos anos aquelas escolhas e o exemplo maior fica para as escolas de Direito no país que já somam um montante maior que todas as escolas no planeta. Pode ?
A que se atribuiria o desinteresse pelas engenharias, sobretudo pelas licenciaturas ?

Quanto às primeiras, a falência do ensino de matemática pode explicar ? Com relação às segundas, o baixo salário nas escolas públicas — maior campo de empregabilidade —também explicaria isso ?
Se houvesse redução drástica no volume de vagas, tanto nas escolas de Direito como Administração, pela dificuldade de acesso aí inerente, faria a juventude migrar para outros cursos ?
Há influências determinantes tanto para a procura dos cursos “campeões” como aos “derrotados”, por exemplo, por contaminação familiar, durante a educação do médio, em cursinhos, etc. etc. ?
Insisto na escolha temporal: o ingressante só estará formado daqui a quatro ou cinco anos e lá na frente, com certeza o quadro será outro. E com mais absoluta certeza ofertando vagas de emprego em proporção decuplicada às de hoje, nas áreas ora desconsideradas.

Nossos poucos cursos de engenharias e licenciaturas são poucos e jurássicos. Para as “engs”
faltam docentes e laboratórios, para as “licencs” inexiste norte magnético com formações
capazes, com novas tecnologias pedagógicas. Elas sequer têm no currículo disciplinas voltadas
para a EAD. Pode ?

Apenas para ilustrar, a Fuvest apresenta 560 vagas para Direito com 10.668 candidatos mas Pedagogia oferece 180 vagas para 995 candidatos, enquanto que Geografia oferta 170 vagas para uma procura de 778 candidatos, História contabiliza 270 vagas para 1.659 candidatos.
Em Letras, com 849 vagas ( um sucesso ) tem 3.333 candidatos (lá vai a língua ladeira abaixo ).
O Brasil, hoje, com seu rebanho, ocupa o honroso primeiro lugar em exportação de carne mas as vagas de Medicina Veterinária somam só 140 para uma procura da ordem de 2.152 candidatos. Na ressalva, Química-Licenciatura tem 70 vagas para 269 candidatos. Pode ?

As interrogações colocadas são para o número de vagas como para o de candidatos. Pode ?

Definitivamente, não temos um plano nacional de educação mas o para o próximo decênio ( 2011-2020) está se discutindo isso, embora o anterior (2001-2010)tivesse falhado em 66% de seu escopo. Com isso, no Congresso a questão ferve ou amorna, o CNE quase descarta sua responsabilidade, a iniciativa privada, pifiamente introduz na sua agenda de discussões, o MEC, como peão condutor de boiada conduz as rezes. Pode ?

Até aqui, tudo indica que as escolas superiores, sobretudo as privadas, não têm um “learning center”, reduto de discussões curriculares e programáticas, com influências majoritárias sobre
a oferta de cursos que interessem às instituições e ao país, para deixarem de vez as comodites e avançar com tratores sobre as manufaturas, a exemplo de um Japão. Prevalece a síndrome do umbigo. Ninguém preocupado e interessado em atravessar os séculos como inúmeras escolas européias e americanas, para não falar nas asiáticas.

Como diz Ryon Braga ( Revista Ensino Superior -SEMESP), não é que as escolas estão interessadíssimas nos meios mas não nos fins, pouco importando o amanhã mas preocupadíssimas com o presente. Pode ?
A propósito e para finalizar, quantos jovens você conhece que tiveram a escolha/opção acertada de cursos superiores com fundamento de vocação, de felicidade, de realização pessoal e profissional ?
No entremeio, como vai a educação no fundamental e médio ? Ah! Uma beleza! Na base do não quero nem que Deus me ajude porque pode estragar. Só o Diabo tem a solução.
Cachorro sem rabo não passa sobre pinguela, ou, passarinho que vive ao lado de morcego acaba dormindo de ponta-cabeça.

Mas afinal onde está o problema, como última pergunta ?
Arrisco dizer que é a mais alta falta de informação. A desinformação total e absoluta, decorrente da ausência de leituras, seja de jornais, revistas, TV e rádio que apregoam sistematicamente como “surfar o mercado nas ondas das oportunidades”, conforme Roberto Macedo.

Para arremate, envolvido com seletivo diferenciado, agendado e de entrevistas complementares, sujeitando os seletivandos a um questionário “básico” de entrevistas, as porcentagens de distanciamento dos noticiários de jornais e revistas, afora os de TV e rádio, os resultados foram aterrorizantes, em clima de globalização: menos de 10% estão lendo jornais e revistas semanais, assistindo aos telejornais ou ouvindo notícias em rádio. Tem de tudo que não importa para a profissionalização e empregabilidade: literatura espírita, de auto-ajuda, gospel, romances, sertanejo, axé e outras modalidades musicais. E o que é pior, “os caras” da geração Y estão aí, na porta de entrada das nacionais ou não, com um “iPod” pendurado nas “orelhas”, Pode ?

Mas o MEC, por derradeiro, via Enem, entende que não podem participar do certame os que
foram reprovados. Por que ? Submetam-se a quantos seletivos aparecerem até darem respostas aprovacionais. Qual o problema ? Acertou tá dentro !

Por acaso, o MEC/CNE restringe o número de vestibulares/seletivos em instituições particulares, impedindo que o candidato não se submeta ao vestibular/seletivo seguinte, mesmo que ele ocorra na próxima semana . Qual o problema ?

Não por acaso, em Brasília, tem gente se refestelando nos melhores restaurantes da cidade, após o expediente: Felicitá, Famiglia Pomodoro, Savassi, Taí Delivery. Eta nóis!!!!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Calandra e LinoType

Prof. Roney Signorini - Consultor Educacional
roney.signorini@superig.com.br


Quando dei os primeiros passos no jornalismo, na década de 60, caí no poço da realidade profissional e do primitivismo secular da impressão de notícias e reportagens.
Sem pauta definida, saía às ruas para coletar fatos e transformá-los em notícias.
Na volta, sentado diante de uma Remington, redigia o apurado entregando as laudas para os linotipadores — profissionais que “digitavam” os textos em máquinas LinoType.

Os tempos eram outros, claro, com jornalismo de imersão profunda e aguardava-se cansativamente o instante em que “aquelas maravilhosas máquinas” vomitassem as linhas (a uma ou duas colunas) para seguirem até a revisão(?). A revisão era feita por qualquer semialfabetizado, pois o que importava era a fidelidade do texto na lauda em comparação com o que havia sido digitado. Nada de correção do vernáculo, sugestões de propriedades vocabulares, etc. etc. Esses “revisores” nunca tinham ouvido falar de Napoleão Mendes de Almeida, nem do Aurelião, nem de Cretella Júnior. Simplesmente, o que estava na lauda deveria estar no “copião” para a revisão.

Após ”digitado”, o texto era levado para a calandra — um cilindro de aço envolvido em feltro que rolava manualmente em dois trilhos, sobre o texto em chumbo(linotipado).
Era aí que entrava o “revisor”. Se houvesse algum problema a linha com o descuido voltava para a linotipia, ocorrendo, então, a emenda.
Tudo nos conformes, o conjunto linotipado seguia para a mesa de montagem da página.
No meio tempo, habilidosos gráficos compunham as manchetes ou ilustrações (clichês) e os títulos com as “caixas” — gavetas que tinham tipos maiores (até garrafais) para encimar os textos redigidos. Pelo “timing” da carruagem já passava de uma da manhã.
Hoje isso não existe e é só história de velho jornalismo, mas o relato deve servir aos modernos que trabalham com um PC montando seus textos, matérias e reportagens via algum PageMaker da atualidade, sem o cheiro insuportável do chumbo derretido e das tintas vagabundas, nauseantes.

Assim é que digitado o texto no PC (terminal da redação), ele segue para uma equipe de diagramação — que também usa um paginador sofisticado alocando o material com absoluta precisão de modo a impedir que assunto de polícia caia no caderno de economia.

Até aqui providenciei uma aula de jornalismo, para principiantes, com o objetivo de deixar clara a inadmissibilidade do ocorrido na última prova do Enem. Vai além da incapacidade, da incúria e da irresponsabilidade. Afinal não estamos falando de qualquer graficazinha do interior, do sertão dos confins, que, mesmo assim, pagina e diagrama um jornal, tabloide ou standard, sem equívocos.
Como pode, uma gráfica do porte da RR Donnelley, com a mais alta e sofisticada tecnologia editorial e de impressão, promover o desastre dos dias 6 e 7 de novembro no Enem? Tem gato na tuba e está miando no tom de lá menor.

Na contrapartida, o Tribunal Federal do Ceará, acolhendo manifestação do Ministério Público, manda anular os exames e ainda proibir a divulgação do gabarito, mas o MEC contesta a medida e o presidente Lula elogia o Enem na segunda-feira, embora hoje admita a possibilidade de novo exame.

Não bastasse isso, o MEC quer processar o repórter que divulgou o tema da redação por um celular, dentro do sanitário de uma escola de Recife. E o desplante chega pela editora-chefe do site do Jornal do Commercio, Benira Maia Barros, afirmando que não estava planejado o repórter divulgar o tema da redação. Mas que doido! Com a informação em mãos, não foi o jornal que a publicou? Não fosse a efetiva intenção, guardassem a informação. Coisa mal contada, não é mesmo?

Diz o MEC que técnicos vão esclarecer por que a aplicação de novo exame aos prejudicados em nada afetará o direito da isonomia, pois a espetacular TRI – Teoria da Resposta ao Item – resolve o problema, quanto às eventuais dificuldades das questões propostas, embora não fale sobre as eventuais facilidades contidas nelas. Afinal, o propósito é reprovar, avaliar ou aprovar?

Digamos, para exemplificar, que eu, candidato, não tenha sido classificado na primeira oportunidade e me julgue apto a dar respostas aprovadoras ao segundo teste — alternativo para os que tiveram problemas no caderno amarelo, como fica?
Então, é possível justificar o desastre e eventual nova proposta de exames com base na TRI, como sendo bálsamo ou placebo para milhões de criaturas tão frustradas que restaram desde domingo, totalizadas pelos primeiros interessados e familiares?

A gráfica diz que assume a responsabilidade.
Qual? A de refazer as 4.6 milhões de provas? Com quais recursos, dela própria ou corroborada pelo MEC que despendeu milhões, até aqui, com todo o processo?
E as Federais, burladas no processo, que não terão(iriam) recursos, agora, para bancar seus próprios vestibulares?

A propósito, aos ausentes nos dias 6 e 7 seria permitido ingressarem no certame da segunda proposta? Não é nada? Quase 30% foi o índice de abstenção, perto de 1.300 milhão, o que de certo modo “ajuda” muito a quem compareceu. Grosso modo, o candidato estaria disputando vaga com os menos 30% de ausentes. Quando ela – eventualmente – se dará, em dezembro ou janeiro ? Esquece! As aulas de 2011 iniciam-se em 01 de fevereiro para se poder cumprir os legais e exigidos dias letivos semestrais, conforme a LDB.

Segundo a educadora Maria Helena Guimarães, uma das criadoras do exame em 1998 durante a gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB), “a mudança do objetivo do Enem – que passou de avaliação do perfil dos estudantes do ensino médio para seleção de alunos para as universidades e institutos federais a partir de 2009 – tornou a prova vulnerável e cobiçada – um objeto de desejo muito valioso”. Querendo dizer (?) que é impossível ou muito mais difícil ter controle de todas as etapas do processo, ou seja, antes era simples avaliação do alunado, das escolas, dos programas/conteúdos mas agora é disputa mesmo.

Laurentino Gomes, autor do livro 1808, está doidão dentro das calças pois sua obra foi citada indicando que a Abertura dos Portos se deu em 2010, quando ocorreu duzentos anos antes. Pode?

De boas intenções e gente que se achava insubstituível o cemitério está lotado.

E.T. O IBGE informa que o país conta hoje com mais de 6.500 municípios mas o Enem só ocorreu em 26% deles, ou seja, 1.700 cidades. Dá pra imaginar os transtornos de deslocamentos dos estudantes. Que pena!