quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Trote, se correr o “bixo” é pego



Rito de passagem para o inferno
Prof. Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional
roney.signorini@superig.com.br

O assunto e as discussões sobre o trote não podem terminar. Exigem muito mais reflexões do que a mídia destacou nas últimas semanas.
Parece que estão todos perplexos denunciando os exageros e gravitando em torno de um eixo vertical, mas que está inclinado, não perpendicular à sociabilização.

Avaliações periféricas sobre os eventos estão à margem de um processo social
que merece estudos mais aprofundados no que toca à ação e à reação humanas.
 
Os calouros de hoje estão todos aceitando a máxima de que diante de um bandido, num assalto, não reaja!
A quantidade de calouros diante do prédio da escola é mais numerosa do que a dos veteranos, em geral pequeno grupo, porque não é a totalidade dos mais antigos que se dispõe à farra do “bixo”, e os calouros constituem uma tribo própria.
Tantas perguntas caberiam buscando respostas para interpretar a passividade do calouro, cujo perfil mudou muito na última década caracterizando a geração X-Y ou Z.
 
O que deve transcender a avaliação comportamental desses jovens ingressantes perpassa uma análise de futuro, quando forem ao mercado de trabalho sem uma dose exata de arrojo, de busca de conquistas, de audácia empreendedora e determinação. Isso deve preocupar muito aos educadores.

Ficar a condenar a atitude dos veteranos é de muita mesmice, transparecendo que as críticas somente cabem aos agressores como algozes dos indefesos, mas a pergunta do dia é: por que calouros aceitam e se submetem, passivamente, à barbárie? E mais, em tais momentos, onde está/fica o Estado que deve proteger o cidadão, senão ao longe e a tudo observando mas sem nenhuma medida restritiva ou punitiva?
Ignoro se algum desses carrascos de maus instintos foi detido e conduzido à
delegacia. Mas, por urinar na rua tem-se que dar explicações ao delegado.
São as idiossincrasias insuportáveis.

Em Portugal, os trotes violentos podem ser rastreados a partir do século XVIII na Universidade de Coimbra. Não por coincidência, estudantes da elite brasileira que por lá realizaram parte de seu processo educativo, trouxeram a "novidade" para o território nacional. Em decorrência disso, surgiram desavenças entre veteranos e calouros que culminaram com a morte, em 1831, de um estudante da faculdade de Direito de Olinda, Pernambuco – seria a primeira – mas lamentavelmente não a última – vítima de um trote violento no Brasil.
Ao leitor ainda interessado no assunto trago o link da Wikipedia, que vale a pena ler (http://pt.wikipedia.org/wiki/Trote_estudantil), do qual extraí os dados anteriores. Na leitura, conheça algumas das vítimas que o texto compilou.

Lembrando um texto do formidável Sebastião Nery, esses desordeiros são quase cangaceiros das modernas avenidas nacionais: “Morto Lampião, Ângelo Roque, o “Labareda”, cangaceiro, terceiro na hierarquia do bando, logo depois de Virgulino e Corisco, entregou-se às autoridades de Geremoabo, no sertão da Bahia. Foi a Júri. Tarcílo Vieira de Melo, o promotor, acusou-o com agressividade. Oliveira Brito, Juiz, chamou-o de “desordeiro”. Labareda” levantou-se do banco de réu: – Desordeiro, não. Os senhores me respeitem. Não sou um desordeiro, sou um cangaceiro”.

Não se inquiete porque no segundo semestre escolar e ano que vem tem mais
arruaça, balbúrdia e desordem tudo na busca de autoafirmação – imposição pela força, mas não pela inteligência, cultura e educação. Déjà vu.

O debate pode ter até algum ponto de contato com a Síndrome de Estocolmo, que cria uma nefasta dependência e um círculo vicioso difícil de ser quebrado.
Mais alguns dias e o assunto entra na espiral do silêncio, como se nada tivesse acontecido, como se os eventos não deixassem forte marca residual e com isso vamos continuar tocando a vida sem escrúpulos e decência, como de resto, tantos outros fatos sociais e políticos que assoberbam o cotidiano do noticiário.