terça-feira, 29 de julho de 2014

Errando, Discitur (Errando, aprende-se)



Prof. Roney Signorini
Assessor e  Consultor Educacional

“Gato escaldado tem medo de água fria.” Ditado popular

Dia desses, assisti a interessante palestra proferida pelo técnico José Roberto Guimarães[1], para platéia formada por operadores da educação. Ele iniciou seu painel destacando a importância do erro e a sua aplicabilidade nos diversos setores, inclusive no dele. Contou que aprendeu muito com a observação de erros da sua equipe e dos adversários também, gerando utilidade em direção aos acertos. José Roberto enfatizou a necessidade de pesquisar, consultar, perscrutar sempre para saber e entender o que existe por trás dos erros. E destacou a necessária humildade no trato e na análise dos erros.

Acrescento: erros são como vacinas. Se com a vacina se busca a saúde, com o erro se busca a melhora na aprendizagem. O erro é, pois, fonte de informação e possibilidade de avanço cognitivo, se “inoculado” com planejamento e prudência.

No dicionário Houaiss, erro é definido como “desvio do caminho considerado correto, bom, apropriado; desregramento”; o Aurélio acrescenta “juízo falso, desacerto, engano”. Em outras palavras, erro leva a pecha de defeituoso, vicioso, imperfeito. Erro e acerto, no entanto, são irmãos xifópagos; são o direito e o avesso de um mesmo tecido.

Muito se discute, no terreno da lingüística, o conceito de erro e o que deve fazer o professor diante de realizações menos castiças. Há cerca de dois anos um livro didático provocou polêmica ao propor que frases como “Nós pega os pexe” devem ser aceitas, para que os alunos que assim se expressam se sintam “incluídos” e, a partir da discussão sobre elas, tenham acesso à norma culta, considerada a maneira correta de expressar-se.

Não só na lingüística, mas em qualquer setor da atividade humana, reconhecer o erro e analisá-lo significa fazer autocrítica, que é a base do autoconhecimento e do aprendizado, porque erro não criticado “passa batido” e tende a repetir-se indefinidamente. Quem erra por desconhecimento do seu erro precisa de tolerância, mas também precisa de crítica, para aprender.

Na área da educação, já está mais do que na hora de aprendermos com nossos erros. Por que nossa nota média no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) – nota de 0 a 10 que toda escola pública possui – é 4,2 no ensino fundamental 1 e 3,8 no ensino fundamental 2? Por que, segundo o Pisa 2006, estamos na posição 54 em matemática (dentre 57 países) e em 49º lugar em leitura (dentre 56 países)? Por que as notas do Enade revelam, em boa medida, que nosso aluno “desaprendeu” ao longo do seu trajeto universitário?

Esses são apenas alguns poucos resultados que escancaram nossa indigência educacional e que trazem impactos negativos para a nossa seara: as IES privadas.

Não há dúvida de que o Estado precisa aprender com seus erros e rever suas políticas para o ensino fundamental, para entregar ao ensino superior alunos mais bem preparados. (Não quero ser boca de Cassandra[2], mas estaria a USP, por exemplo, diante das últimas avaliações, sendo acometida do mesmo mal que se abateu sobre a escola pública fundamental desde a década de 70?...)
Raramente, no entanto, se ouve falar que alguma IES privada, de moto próprio, se lançou a pesquisar sua geografia, seus atores (docentes, discentes, funcionários, etc.), para com isso suprir eventuais desvios de rotas. A rigor, não se pesquisa nada e os erros nunca têm prevalência como objeto de avaliação e análise.
Onde existam, funcionando como devem, as CPAs (Comissão Própria de Avaliação) podem dar o norte magnético, pois sua função é encontrar fissuras, equívocos, falhas que à primeira vista podem passar despercebidas e, a partir delas, redesenhar a missão, a visão e as metas da IES.

É hora de humildade, de mea culpa, porque errando discitur.

 

[1] José Roberto Lages Guimarães (Quintana, 31 de julho de 1954), ou simplesmente Zé Roberto, é ex-jogador de vôlei e atual técnico da Seleção Brasileira de Voleibol Feminino. Considerado legendário pela Federação Internacional de Voleibol, é o único técnico no mundo campeão olímpico com seleções de ambos os sexos: a seleção masculina em Barcelona 1992 e a seleção feminina em Pequim 2008 e Londres 2012. Único tricampeão olímpico do esporte brasileiro, ele também é formado em Educação Física.
[2] Apolo apaixonou-se por Cassandra e ensinou-lhe os segredos da profecia. Mas, quando ela negou-se a dormir com esse deus, ele, por vingança, lançou-lhe a maldição de que ninguém jamais viesse a acreditar nas suas profecias ou previsões.

A Caixa de Ferramentas foi Aberta


Prof.Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional
roney.signorini@superig.com.br



Até mesmo a página da célula de São João Del Rei do Partido Comunista Brasileiro (PCB), pela internet, desandou com artigo sob o título “A falsa polêmica sobre os falsos conselhos populares petistas”.
O autor, Alex Lombello Amaral, postou em 3/6/2014 matéria batendo no Decreto 8.243, da presidente Dilma que trata de política de participação social, classificado por alguns como “golpista”, “bolivariano” e até “bolchevique”. Alex diz que é tudo uma farsa e que o decreto não dá poder nenhum aos tais “conselhos populares”.

E ele vai em frente, irado: “Portanto, são mais órgãos consultivos, como os conselhos inúteis que Lula criou logo que tomou posse e como os conselhos igualmente inúteis que existem em todas as cidades para cumprir leis malfeitas. Em resumo, não mudam em nada o regime político, não diminuem em nada o poder dos políticos, não aumentam em nada a participação popular. Verdadeiros Conselhos Populares são eleitos entre os operários nas fábricas, entre os soldados nos quartéis, entre os estudantes e professores nas escolas, não são órgãos consultivos indicados por governos corruptos”.

Pelo decreto fica criada a Política Nacional de Participação Social (PNPS), cujo objetivo é organizar a relação entre ministérios e outras repartições federais com a sociedade por meio de conselhos populares. Na contramão da iniciativa ficou o vice-presidente, Michel Temer, para quem o assunto deveria ser tratado em projeto de lei a ser discutido pelo Congresso. Um bloco de partidos também recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a norma, tudo porque, conforme parlamentares e juristas, o decreto internaliza o risco de poder paralelo. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também avalia a medida, tudo porque o decreto embute um complexo sistema de consultas no qual a sociedade civil tem papel central. Para tanto, foram criados conselhos, comissões, ouvidorias, mesas de debates, conferências e fóruns, além de consultas públicas e audiências. Tudo sob o pretexto de consolidar a participação social como método de governo.

O suporte técnico e administrativo do sistema ficará por conta da Secretaria Geral da Presidência que ocupa os arts. 7º ao 9º, inclusive, do decreto com poderes exorbitantes.

Figuras ilustres como o ex-ministro Miguel Reale Jr., os ministros Gilmar Mendes e o ex Carlos Velloso, além de Marco Aurélio Mello já manifestaram inconformismo. A alegação é de que o decreto fere a alínea “a”, inciso VI do artigo 84 da Constituição, bem como o artigo 48, incisos X e XI. Ou seja, o Congresso Nacional levou boa rasteira do Executivo em matéria que lhe competia. Bem, até que o decreto possa ser derrubado, já que não deixa de ser autoritário, gerando, portanto, muitas desconfianças.

Da leitura do decreto, infere-se que os órgãos da administração, como os ministérios, deverão considerar essas instâncias de participação social quando formular, executar, avaliar e monitorar suas políticas, devendo produzir relatórios de como estão implementando a PNPS. Mas, isso já ocorre em muitos casos.
Por ora não está criado nenhum novo conselho, mas a norma define parâmetros na orientação de eventual pretensão de criação de novo conselho ou instância. E, é claro, não tenhamos dúvidas porque eles virão, até porque, o decreto “está pedindo” para surgirem.

O que importa(va) saber ainda não veio à tona, ou seja, como ainda não estão definidos os critérios para escolha dos integrantes da sociedade civil que participarão dos conselhos, qualquer cidadão/pessoa, grupos organizados, movimentos sociais integrarão tais conselhos em que medida?

Pelo Estadão do dia 10/6/2014, o ex-ministro Eros Grau deu seus tabefes dizendo que “o País tem uma Constituição que permite que o povo se manifeste e esse negócio de conselho popular e consultas talvez seja expediente para legitimar o ilegítimo”.

O que é preciso destacar é, sim, qual a intencionalidade de baixar um decreto de tal jaez, em momento de apreensões e expectativas como o que vivemos – antes das eleições e com um mal-estar intestino como o que salta da caixa de ferramentas e rasteja pelas grandes cidades, disfarçado de movimentos necessários.