Quando
a criatividade empodera cidadãos e transforma a cidade
Cidades transbordam relatos contagiantes de quem, cansado de esperar,
fez a mudança. Do protagonismo individual nasce uma inteligência coletiva.
Ana Carla Fonseca Reis[1]
Criatividade, nos últimos tempos, digamos,
passou a ser assunto sério, coisa séria de se tratar, discutir e adotar, para
todos os efeitos e com isso merecer mais atenções do que as que lhe foram
dedicadas até agora, atenções até aqui não muito reputadas. Hoje, essa questão é
crucial nas relações, nas escolas, em qualquer atividade em que se deseja impor
diferenciais concorrenciais. Como
diz Victor Mirshawka, “as empresas do século XXI só sobreviverão se tiverem
muitos talentos porque, sem dúvida, esta é a era do cérebro”, acrescento, da
criatividade.
A criatividade,
no futuro, em todos os campos, será o ingrediente-chave do êxito empresarial
tão logo a tecnologia passe a ser um produto comum e habitual. Só a
criatividade poderá fazer a diferença.
Diante das mudanças
esperadas em tecnologia, biologia, medicina, valores sociais, demografia, no
meio ambiente e nas relações internacionais, o tipo de mundo que a humanidade
tem pela frente certamente será muito diferente. Uma coisa, porém, é
razoavelmente certa: contínuos desafios convocarão nossa capacidade coletiva
para lidar com eles. “Os paradigmas têm de mudar, temos de reinventar tudo.
Para isso, a cultura tem papel fundamental, pois ela gera valores sociais que
podem fazer a sociedade caminhar rumo à sustentabilidade e isso muda o padrão
de consumo, gera demandas nessa direção. Está tudo integrado”, afirma Wilson
Nobre, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getulio Vargas.
Nesse
cenário, é nas cidades criativas, em seus espaços urbanos, que é possível a
articulação eficiente entre atividades sociais e artísticas, indústrias criativas
e governo para produzir uma efervescência cultural que desenvolva, atraia e retenha
talentos, promova a diversidade social, aumente a oferta de empregos, gere
maior conhecimento entre cidadãos, aumente o potencial criativo de empresas e
instituições, atraia mais turistas e, assim, possa contribuir
significativamente para a economia da cidade e para a qualidade de vida de seus
cidadãos.
As indústrias
criativas – como o cinema, o design,
a moda, todas as especialidades das artes, turismo, eventos, entretenimento,
grandes shows, música, televisão – foram enormemente incentivadas na
Inglaterra. No Brasil, ainda não são incentivadas adequadamente embora sejam
atividades que empreguem muitas pessoas. E tudo isso tem muito a ver com os
cursos universitários, mas pouco ou nada se vê como ação e mesmo como análise
nos setores.
Em dezembro do ano
passado, Curitiba e Florianópolis passaram a fazer parte do grupo Rede de
Cidades Criativas da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e
Cultura (Unesco), o evento também celebrou os 10 anos da
Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, que, desde 2004, como
destaca Irina Bukova, diretora-geral da Unesco, tem como objetivo fomentar a cooperação
internacional entre cidades que investem em criatividade, como motor para
desenvolvimento urbano sustentável e inclusão social.
Na Rede, que tem agora
69 integrantes, Curitiba entra na lista pelo seu destaque em design e Florianópolis na área da
gastronomia. O grupo cobre sete áreas temáticas: artesanato e arte popular,
filme, gastronomia, literatura, artes relacionadas à mídia e música. O objetivo
da iniciativa é promover cooperação internacional e encorajar a troca de
experiências e recursos para promover desenvolvimento local através da cultura
e criatividade.
A
preocupação brasileira com o tema, porém, vem de 2003, quando o Ministério da
Cultura (MinC), na época sob a direção de Gilberto Gil, passou a construir
políticas culturais sob três eixos: a cultura como direito de todos, como
economia e como dimensão simbólica.
A busca por um novo modelo de organização, que una
benefícios sociais, econômicos, culturais e ambientais, é a aposta das cidades
criativas. Antecipar oportunidades é uma das três características das cidades
criativas. “É a capacidade de inventar com o que está disponível, mas ninguém
via”, diz a economista Ana Carla Fonseca. A segunda característica é a vida
cultural e a terceira é dada por conexões em três instâncias: a da cidade com o
mundo, entre suas áreas e com sua própria história.
Mas
a competitividade econômica das regiões depende de inovação (de processos,
produtos, sociais, culturais etc.), que bebe da criatividade, pois as soluções
para os problemas estruturais da sociedade, da economia, da cultura e das
cidades exigem novos olhares.
O
grande desafio é romper com bolsões, com o mainstream,
e transvasar a criatividade que ferve em alguns espaços, para contagiar a
cidade. Para isso, é preciso olhar para o espaço urbano de dentro para fora,
reconhecendo suas singularidades, fomentar suas conexões, inovações e cultura. A
proporção é simples: quanto mais criativo for o ambiente no qual se vive, mais
resolvida será a sociedade e mais pujante a economia.
Nesse cenário, o desenvolvimento
da criatividade, da inteligência coletiva e da colaboração passou a ser
imperativo. O universitário, para ter sucesso na sua futura carreira/vida,
precisa investir com determinação no resgate e desenvolvimento da sua
capacidade criativa e inovadora, valorizando o livre fluxo de informação,
compartilhando o aprendizado e desenvolvendo novas habilidades que lhe permitam
lidar com os desafios próprios desse novo contexto.
Para atender à demanda
imposta pelos tempos, são indiscutíveis o papel e a responsabilidade das IES na
formação dos profissionais que promoverão as transformações necessárias. Além
disso, é fundamental ressaltar que não basta simplesmente colocar profissionais
no mercado para promover e conduzir as transformações. Será preciso que eles
estejam/sejam comprometidos eticamente com a forma e o resultado dessas ações.
Como se vê, inovar, criar e fazer
a diferença são palavras de ordem e devem constituir os pilares, molas
propulsoras em direção ao futuro. Nesse sentido, devem-se observar as quatro
dimensões da criatividade: a pessoa, o processo, a pressão e o produto.
[1]: Segundo
o site http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cidade/entrevista-ana-carla-fonseca-cidade-pode-ser-criativa-695101.shtml,
Ana Carla Fonseca Reis é referência
internacional quando se fala em economia criativa. Ela organizou o livro Cidades Criativas - Perspectivas,
reunindo 18 autores de 13 países com diferentes visões sobre como tornar nossas
cidades lugares melhores para se viver (disponível para download gratuito no site http://garimpodesolucoes.com.br/).
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