segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Criaticidade



Quando a criatividade empodera cidadãos e transforma a cidade

Cidades transbordam relatos contagiantes de quem, cansado de esperar, fez a mudança. Do protagonismo individual nasce uma inteligência coletiva.
Ana Carla Fonseca Reis[1]

Criatividade, nos últimos tempos, digamos, passou a ser assunto sério, coisa séria de se tratar, discutir e adotar, para todos os efeitos e com isso merecer mais atenções do que as que lhe foram dedicadas até agora, atenções até aqui não muito reputadas. Hoje, essa questão é crucial nas relações, nas escolas, em qualquer atividade em que se deseja impor diferenciais concorrenciais. Como diz Victor Mirshawka, “as empresas do século XXI só sobreviverão se tiverem muitos talentos porque, sem dúvida, esta é a era do cérebro”, acrescento, da criatividade.
A criatividade, no futuro, em todos os campos, será o ingrediente-chave do êxito empresarial tão logo a tecnologia passe a ser um produto comum e habitual. Só a criatividade poderá fazer a diferença.
Diante das mudanças esperadas em tecnologia, biologia, medicina, valores sociais, demografia, no meio ambiente e nas relações internacionais, o tipo de mundo que a humanidade tem pela frente certamente será muito diferente. Uma coisa, porém, é razoavelmente certa: contínuos desafios convocarão nossa capacidade coletiva para lidar com eles. “Os paradigmas têm de mudar, temos de reinventar tudo. Para isso, a cultura tem papel fundamental, pois ela gera valores sociais que podem fazer a sociedade caminhar rumo à sustentabilidade e isso muda o padrão de consumo, gera demandas nessa direção. Está tudo integrado”, afirma Wilson Nobre, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.
Nesse cenário, é nas cidades criativas, em seus espaços urbanos, que é possível a articulação eficiente entre atividades sociais e artísticas, indústrias criativas e governo para produzir uma efervescência cultural que desenvolva, atraia e retenha talentos, promova a diversidade social, aumente a oferta de empregos, gere maior conhecimento entre cidadãos, aumente o potencial criativo de empresas e instituições, atraia mais turistas e, assim, possa contribuir significativamente para a economia da cidade e para a qualidade de vida de seus cidadãos.
As indústrias criativas – como o cinema, o design, a moda, todas as especialidades das artes, turismo, eventos, entretenimento, grandes shows, música, televisão – foram enormemente incentivadas na Inglaterra. No Brasil, ainda não são incentivadas adequadamente embora sejam atividades que empreguem muitas pessoas. E tudo isso tem muito a ver com os cursos universitários, mas pouco ou nada se vê como ação e mesmo como análise nos setores.
Em dezembro do ano passado, Curitiba e Florianópolis passaram a fazer parte do grupo Rede de Cidades Criativas da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o evento também celebrou os 10 anos da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, que, desde 2004, como destaca Irina Bukova, diretora-geral da Unesco, tem como objetivo fomentar a cooperação internacional entre cidades que investem em criatividade, como motor para desenvolvimento urbano sustentável e inclusão social.
Na Rede, que tem agora 69 integrantes, Curitiba entra na lista pelo seu destaque em design e Florianópolis na área da gastronomia. O grupo cobre sete áreas temáticas: artesanato e arte popular, filme, gastronomia, literatura, artes relacionadas à mídia e música. O objetivo da iniciativa é promover cooperação internacional e encorajar a troca de experiências e recursos para promover desenvolvimento local através da cultura e criatividade.
A preocupação brasileira com o tema, porém, vem de 2003, quando o Ministério da Cultura (MinC), na época sob a direção de Gilberto Gil, passou a construir políticas culturais sob três eixos: a cultura como direito de todos, como economia e como dimensão simbólica.
A busca por um novo modelo de organização, que una benefícios sociais, econômicos, culturais e ambientais, é a aposta das cidades criativas. Antecipar oportunidades é uma das três características das cidades criativas. “É a capacidade de inventar com o que está disponível, mas ninguém via”, diz a economista Ana Carla Fonseca. A segunda característica é a vida cultural e a terceira é dada por conexões em três instâncias: a da cidade com o mundo, entre suas áreas e com sua própria história. 
Mas a competitividade econômica das regiões depende de inovação (de processos, produtos, sociais, culturais etc.), que bebe da criatividade, pois as soluções para os problemas estruturais da sociedade, da economia, da cultura e das cidades exigem novos olhares.
O grande desafio é romper com bolsões, com o mainstream, e transvasar a criatividade que ferve em alguns espaços, para contagiar a cidade. Para isso, é preciso olhar para o espaço urbano de dentro para fora, reconhecendo suas singularidades, fomentar suas conexões, inovações e cultura. A proporção é simples: quanto mais criativo for o ambiente no qual se vive, mais resolvida será a sociedade e mais pujante a economia.
Nesse cenário, o desenvolvimento da criatividade, da inteligência coletiva e da colaboração passou a ser imperativo. O universitário, para ter sucesso na sua futura carreira/vida, precisa investir com determinação no resgate e desenvolvimento da sua capacidade criativa e inovadora, valorizando o livre fluxo de informação, compartilhando o aprendizado e desenvolvendo novas habilidades que lhe permitam lidar com os desafios próprios desse novo contexto.
Para atender à demanda imposta pelos tempos, são indiscutíveis o papel e a responsabilidade das IES na formação dos profissionais que promoverão as transformações necessárias. Além disso, é fundamental ressaltar que não basta simplesmente colocar profissionais no mercado para promover e conduzir as transformações. Será preciso que eles estejam/sejam comprometidos eticamente com a forma e o resultado dessas ações.
Como se vê, inovar, criar e fazer a diferença são palavras de ordem e devem constituir os pilares, molas propulsoras em direção ao futuro. Nesse sentido, devem-se observar as quatro dimensões da criatividade: a pessoa, o processo, a pressão e o produto.


[1]: Segundo o site http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cidade/entrevista-ana-carla-fonseca-cidade-pode-ser-criativa-695101.shtml, Ana Carla Fonseca Reis é referência internacional quando se fala em economia criativa. Ela organizou o livro Cidades Criativas - Perspectivas, reunindo 18 autores de 13 países com diferentes visões sobre como tornar nossas cidades lugares melhores para se viver (disponível para download gratuito no site http://garimpodesolucoes.com.br/).

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