quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Transferência como (in)utilidade

Prof. Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional
roney.signorini@superig.com.br


Depois de quase quatro décadas na estrada da administração educacional superior, em instituições privadas, detenho-me na reflexão do “instituto da transferência”.
Na LDB, que trata do assunto na esfera pública, há pouco ou quase nada. O que ocorre na particular é quase uma farra do boi (não exclusiva de Santa Catarina), pelo país todo prevalecendo disputas acirradas de “quem tirou/ficou” com o aluno de quem.
A avaliação desse cenário é tão estarrecedora no Brasil, diferentemente do resto do mundo onde isso não acontece, que vale pontuarmos inicialmente os motivos e razões da análise.

O CANDIDATO
Quando um candidato se apresenta ao seletivo de uma instituição, por certo ele considerou vários fatores para a escolha/decisão, como proximidade da residência ou do trabalho, valor das mensalidades, qualidade do curso(corpo docente, laboratórios, classificação no Enade,  biblioteca, etc. etc.).

O ALUNO
Logrando êxito no ingresso, ele se matricula e, decorridos alguns meses, se vê premido por inúmeras circunstâncias que poderão redefinir seu futuro como, mesmo perto da residência, ele acaba se atrasando na chegada às aulas; foi despedido e está sem emprego embora a mensalidade seja baixa; as dependências da instituição não são nenhuma Brastemp (falta cadeira macia, ar-condicionado, boa praça de alimentação, docentes mais bem preparados,  não tem computador para todo mundo, etc. etc.). Isso sem considerar os eventos mais clássicos, como sua namorada ficou grávida, o pai morreu ou furtaram seu carro. Murphy nasceu para afrontar e esgrimar com a sorte(ou azar) de todos.

Aliás, não é bem desempregado, mas mudou de local de trabalho, na mesma empresa ou para outra; o que parecia uma vantagem promocional da instituição acabou se revertendo numa armadilha porque, concluído o primeiro semestre, cai sobre seu bolso a realidade da mensalidade despromocionada. É assim como comprar uma viagem para Paris e o avião descer no Seringueti.

A INSTITUIÇÃO
A rigor toda instituição, pública ou privada, deve(ria) abrir vagas para transferência mediante Edital para curso(s) com a indicação das vagas disponíveis, com datas e prazos para apresentação dos interessados, mediante concurso(s), leia-se provas, avaliação do currículo de origem (histórico com notas e cargas horárias, modalidade semestral/anual, conteúdos, etc.).
Será que isso acontece mesmo?
A análise curricular é feita por quem? Pela assistente da encarregada da secretaria, pelos professores do curso, pelo coordenador, pelo diretor de área, pelo setor de relacionamento com o público, etc. etc.? Aqui o bicho pega.

Mas afinal, quem indica ao pretendente para qual semestre/ano ele será aceito?
Dentre os quesitos de questionamento da transferência há algum que trate do motivo de tal pedido de transferência a ser determinante na operacionalidade ou não dela? Algo assim como, com catapora você não pode embarcar nesse voo, mas com HIV é aceitável.
Por outro lado, dadas as óbvias incompatibilidades disciplina/currículo, até porque é bem isso o que normalmente ocorre, voluntariamente ou não, dentre as IES, o pretendente deverá cursar “x” disciplinas pelo regime de adaptação (graciosamente, sem horários rígidos, pela internet, sem provas/exames, sem frequência, etc. etc.) Ou seja, tem mais uma farra aqui, seja das focas canadenses ou dos gnus africanos.
Felizmente algumas poucas instituições ainda não se entregaram a tais orgias educacionais e talvez nunca o façam. É coisa de DNA.

O MEC e o CNE, tudo indica, não estão lá com muito tempo para regulamentar isso.
E o preocupante é que parece não ser pauta de discussão dos organismos sindicais, patronais ou não. Basta-lhes o recolhimento anual compulsório. E não tá bom? Salve-nos que ainda não é semestral ou mensal.
Transferência não é quesito do SINAES nem da avaliação in loco. Assim, às calendas, para não ser muito deselegante.
Mas que tem IES “batendo” aluno de outra IES na mão grande, com certeza. É como jogar o “bafa” de figurinhas.
Inegavelmente, o pretendente a uma transferência não está preocupado com qualquer condição senão a do utilitarismo, da utilidade grande: formar-se o quanto antes, ter o diploma o mais breve, pelo menor custo, oportunisticamente, à la Gerson. Alguma dúvida? E há quem faça com maestria duas ou mais transferências entre IES durante o curso na busca de vantagens. Pode?

Incrível isso. E o mercado, pelo setor de RH, ainda não aprendeu a solicitar o histórico de qualquer candidato a vaga em empresa, em que se demonstre esse turismo educacional. E vamo nóis, né mesmo?
A transferência é utilíssima para quem efetivamente está decepcionado com uma escolha, precisa ,como funcionário público em decorrência do lócus de trabalho; como militar decorrente da mudança de praça do serviço. Mas, imotivadamente, por capricho, vaidade e demais, deve ser evitada, até para impor mais e brevemente uma maturidade universitária ao estudante que pensa ser o terceiro grau uma prancha de surf ou skate tribal. Que tem a escola não como tal mas como um clube.

E sinta o leitor a gravidade do assunto quando há também decepções do alunado em relação à instituição para onde se transferiu, quedando-se em lamentações de “eu era feliz e não sabia”. Assim como ficar sozinho num divórcio, nem sempre é um mar de rosas.

A médio e longo prazo, a transferência é um péssimo negócio para a escola de origem, para o aluno e para a escola destino, conforme consulta pessoal que realizei por cinco anos.
É isso aí.
Por incrível, há não só quem se transfira depois de cursar o primeiro semestre, mas também aqueles que desejam mudar às portas da conclusão do curso. Qual o grau de comprometimento de escola, aluno, sociedade, mercado de trabalho, entidades classistas, MEC e CNE? Nenhuma. É mesmo a Nau dos Insensatos, de Catherine Anne Porter.

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