domingo, 23 de novembro de 2014

“Professores” profissionais



Três são infelizes na lei divina: o que sabe
 mas não ensina, o que ensina mas não
faz e o que não sabe mas não pergunta.
--ditado latino --

Prof. Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional
roney.signorini@superig.com.br



George Bernard Shaw, certa feita, saiu-se com a frase quem sabe faz, quem não sabe ensina, muito utilizada para brincar com, ou denegrir, a imagem de professores.  Talvez parafraseando Aristóteles que dizia “Aqueles que sabem, fazem. Aqueles que compreendem, ensinam”. Uma não tem nada a ver com a outra mas provocam para a irritação ou para a brincadeira.

Walcyr Carrasco é reconhecidamente um autor de livros, peças teatrais,  principalmente novelas de TV. e às vezes se arrisca a dar asas também à sua formação de bacharelado em Jornalismo. E foi o que fez no último dia 17 na página 90 da revista Época com o esbofeteante título “A Universidade Burra”.
Ainda que com certa timidez, como quem pisa em ovos, o articulista saiu-se otimamente com sua leitura sobre a arte de ministrar aulas ou cursos “quando alguém até pode dar aulas numa faculdade só pela experiência, mas incomoda quem está no ‘esquema’”. Ou seja, o uso da mão do gato. Com certeza e com toda a razão pois ele estava falando de um dos mais conservadores nichos protegidos por corporativismo arraigado, de há muito. A continuar com a pretensão de docente será preciso observar as regras ditadas mais pelo MEC e menos pelas instituições de ensino, já que estas recebem “professor visitador”, palestrantes e conferencistas, até mesmo para workshop breve, para cursos de extensão ou atividades complementares, com ou sem diploma: Zé do Caixão faz sucesso onde quer que vá.
A universidade está aberta para receber tudo o que soma e multiplica. Docente mesmo, da caneta roxa, conforme o Sinaes, precisa registro observados todos os requisitos para a contratação via CLT. Pela oportunidade, conheci centenas de ótimos palestrantes que esgotavam o assunto em pouco mais de duas horas. Jamais se prestariam a seguir metodologicamente um conteúdo programático ao longo de um semestre, por 40 ou 80 horas. Patinariam no barro mesmo com tração nas 4 rodas.

Ao longo do texto estava subjacente a idéia de professor profissional, aquele que tem só a graduação (sem especialização, mestrado ou doutorado), quando tem.  Pode até se meter a lecionar, sem noções de didática e pedagogia, mas detentor de um conhecimento insubstituível e muito admirado pelos alunos, em razão da experiência, ele não vai além das primeiras aulas e se entrega, joga a toalha. O mais autêntico possuidor de reais habilidades e competências é o detentor das experiências do chão da sala e da profissão funcional.

Walcir “reclama” que os acadêmicos, um grande contingente, em sua maioria se dedicam a escrever teses que ninguém lê. E não fica por aí, disposto a estapear, justificando que os não acadêmicos incomodam porque não se adaptam ao esquema. Conforme ele, é o velho sistemão rançoso universitário brasileiro.
Entre inconformado e um tanto irado ele desabafa dizendo que fez Jornalismo na ECA, trabalhou nos mais importantes veículos da imprensa escrita, foi diretor de redação, etc. mas jamais foi convidado para dar um curso ou workshop e que embora (notoriamente) excelente autor de novelas ninguém nunca o chamou para ministrar um curso de roteiro, evidenciando a carência de um bom “network”. Por óbvio ele não procura(va) emprego mas teria desistido na primeira semana porque quando em contato com os alunos veria repetir-se o entrar e sair deles do recinto. Foi o que ocorreu ao proferir  uma palestra numa Faculdade do Rio de Janeiro, o que o irritou muito e o fez perder a concentração.

Como Walcir não é do ramo, vale informar que a fundação internacional Varkey Gems, sediada em Londres, ofereceu em outubro de 2013 um ranking que media o status dos professores em vinte e um diferentes países, selecionados e analisados pelo desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) sendo feitas 1 mil entrevistas. Foram considerados,  o status do professor, a recompensa recebida pelo trabalho e a organização do sistema de ensino. Os cinco primeiros, nessa ordem: China, Grécia, Turquia, Coreia do Sul e Nova Zelândia.  O último foi Israel e o penúltimo Brasil.

Mas, o professor Antonio Nóvoa, da Universidade de Lisboa, um convicto e zeloso dos fazeres educacionais defende que a boa formação do professor não passa apenas pela prática. A prática por si só não forma. O que forma é a reflexão sobre a experiência e a prática. Para ele, conhecer bem aquilo que se ensina é fundamental para a formação do profissional da educação,  definindo três instâncias essenciais para a formação: a)pessoa (professor) – formação inicial; b)coletivo (ambiente socializado)—indução profissional; e c)a escola (ambiente inovador ) – formação continuada.
Até porque, educação é uma espiral interminável. A formação nunca se conclui porque ela é contínua.

Por essas e por aquelas, Walcir não se desfaz da intenção de lecionar, argumentando que a universidade se distancia da realidade do mercado de trabalho, sentindo, ele e outros colegas de profissão, que seria bom compartilhar suas experiências, julgando-se apto e habilitado a dar aulas de roteiro. Entretanto, não quer seguir os passos da burocracia acadêmica. Ou seja, já sabe tudo de tudo em roteirização.

Mas há um contraponto levantado pelo professor Claudio de Moura Castro por seu artigo publicado em Veja (28/06/2013) com o título “Como tratar os professores profissionais”.
Ele inicia com o testemunho do diretor de uma das melhores escolas de Desenho Industrial da Suíça: “Aqui não temos profissionais do ensino. O que temos são profissionais que ensinam”.
Enquanto nas boas universidades do mundo é consagrada a prática de acadêmicos ensinarem nas áreas científicas e nas humanidades o contraste é que disciplinas profissionais são ensinadas por profissionais na ativa ou aposentados..

Para Castro, Érico Veríssimo só lecionou Literatura nos EUA porque não tinha os diplomas exigidos aqui, assim como Jacques Klein jamais foi convidado para ensinar piano porque tampouco tinha diplomas. Nessa área de artes a lista é grande pois acabou a figura do “notório saber” como a de João Carlos Martins, Diogo Pacheco, Pelé, dentre tantos outros. Salvo melhor juízo, nem graduação possuem. Caso folclórico, faz tempo, substituíram um professor com um reles bacharelado por um recém-doutor, ninguém menos que o magnífico arquiteto Sergio Bernardes.
E Moura Castro vai em frente no cotejo de simples graduados versus mestres e doutores, exacerbando das preliminares ao fulcro.
Na sua linguagem direta e coloquial, jogou pá de cal no serpentário das avaliações dos IGCs, CPCs e demais do Sinaes, tratando com o respeito que merecem aqueles que fazem parte do Time da Fazeção. Gente de que tanto as instituições de ensino precisam e carecem, os que conhecem como ninguém os chamados “chão da fábrica”.
Ele não perde a chance de dar um puxão de orelhas no MEC que deve reajustar as suas avaliações, tanto da graduação como da pós porque hoje as IES são punidas com notas mais baixas ao contratarem quem tem experiência em vez de doutores que nunca trabalharam no assunto do curso. É pura perversidade.
Ademais, comenta Moura Castro, é inevitável que um profissional requisitado e valorizado no mercado seja um professor horista mas as avaliações penalizam a IES que contrata profissionais experientes nesse regime. Inexiste a ubiqüidade de estar na sala e no local de trabalho, ou seja, impossível contratar
com dedicação parcial ou integral.



Nenhum comentário: