sábado, 3 de dezembro de 2016

Colaboração Criativa Mesmo



Nos acostumamos a uma espécie de mentira intergeracional que volta a nos cobrar o preço da verdade tardia, mas ainda é cedo para saber se vamos optar pela verdade que exige sacrifícios ou seguiremos no rumo da ilusão continuada; ou se vamos cair no sacrifício sem uma proposta alternativa para além dele.              
Cristovam Buarque

A revista O Cruzeiro [1] foi sepultada nos idos de 1975. Integravam o corpo editorial nomes de destaque no jornalismo brasileiro, cada um ao seu modo, como David Nasser; Millôr Fernandes, com o pseudônimo Van Gôgo [2]; e o impagável cartunista Péricles [3], com o seu O Amigo da Onça. A revista era a rainha das bancas e dos salões de barbeiros, disputando o público com a revista Manchete.

Da leitura de O Cruzeiro, ficou-me a impressão de que todos temos um “amigo da onça” nos rodeando. No meu caso é um sugestionador de assuntos/temas a tratar aqui na coluna, que não mede consequências: se haverá aplausos ou apupos.

O assunto de hoje é uma sugestão do “mui amigo” sobre a formação de uma Rede Brasileira de Compartilhamento sobre/para Soluções Nacionais, acerca dos desafios brasileiros. Como juntar especialistas de cada área para proporem soluções para os nossos problemas? Com certeza, o repertório/acervo acumulado seria riquíssimo. Lembro-me de um documentário a que assisti sob título Os profetas da maldição, exibido pelo canal History Channel. (https://www.youtube.com/watch?v=yix8Q-69xBQ). Nele arriscam-se prognósticos sobre o futuro da humanidade. Compartilhar ideias é o principal benefício das nossas redes de internet.

Dias atrás um grupo de intelectuais voltados à educação trocou mensagens pela web fazendo surgir boas ideias, inusitadas e de muita atualidade. Protagonizaram o encontro o senador Cristovam Buarque; o reitor da Universidade Estácio; Ronaldo Mota; Alex Sandro Gomes, da UFPE, e tantos outros.

Na troca de postagens, é reveladora a ausência de cenários futuros, cenários de futuros, no Brasil, para o país. E como essa ausência torna a espera das novas gerações muito angustiante.
Seria muito oportuno que uma rede da sociedade civil, colaborativamente, pudesse alinhavar de forma ampla alguns cenários sobre a relação entre Educação Básica, Ensino, Tecnologia, EAD e Ensino Superior, Criatividade, Inovação, Competitividade da indústria nacional e Bem-estar geral (welfare state). 

Quem poderia assumir a liderança tão necessária de tal construção? Como as inteligências individuais poderiam se articular em estruturas sociais amplas para criar tais cenários e orientar discussões de forma mais clara em nossa sociedade? Como podemos construir e difundir juntos esses cenários de futuros?

Para propor algo assim necessitamos com urgência do tipo de “inteligência coletiva” operando no país.
E a iniciativa vai exigir certo disciplinamento, proposta de primeiro laborar-se uma disposição sobre o planejamento e a gestão estratégica no âmbito universitário acadêmico-administrativo e a partir daí o grupo passar a considerar, como órgão constituído, uma condução de atualização administrativa com a atribuição de propostas/sugestões ao ensino universitário.

Poderia elencar vários exemplos suscetíveis de opiniões como as questões curriculares, as atividades complementares, o assunto FIES, os planos de carreiras, etc. etc. Ou seja, onde muita IES acertou e tantas outras erraram. Por quê? Falta de comunicação, de orientação na base do respeito ao traditionis mores majorum (o conhecimento está com os mais velhos).

Nada que se oponha ou imponha às administrações locais, mas que o resultado possa ser adicionado em razão da soma de expertises que comporão o órgão. Considerar as propostas apresentadas por todos os segmentos, universidades, centros universitários e faculdades compondo os macrodesafios do setor, formulados por uma assemelhada rede de condução colaborativa que poderá se constituir como grande alavanca contributiva, seja às particulares, seja às públicas. Quando não, algo próximo a um Conselho Nacional de Colaboração Universitária (Conacu).

Dos resultados de suas decisões, o órgão colegiado, integrado por voluntários, poderá emitir resoluções com fins opinativos, mas como sugestões pensadas e discutidas, sem viés político-partidário ou normativo, simplesmente sugestional e proativo, no sentido de antecipar-se aos problemas. Não é nada senão uma soma de dezenas ou centenas de anos de experiências, de todos os integrantes do Conselho. Inimaginável desprezar tal acervo.

Afinal, a composição do órgão levará em conta, em seus fazeres, a Missão, a Visão, os Valores e os Macrodesafios componentes do cotidiano universitário. E como desejo e interesse totalmente democráticos, seus pares poderão surgir de quaisquer instituições bastando um documento protocolar de apresentação
para incluir-se no “conselho”.

Também à semelhança dos Centro de Serviços Compartilhados (CSC), onde fomos buscar incentivo e orientação, ele é uma unidade de organização orientada à excelência na prestação de serviços e atendimento às necessidades dos clientes internos da corporação, no prazo adequado, buscando padronização dos processos, melhoria na qualidade das entregas, aumento da produtividade, maximizando a utilização de seus recursos com controle das atividades executadas, indicadores e gerenciamento de custos. O modelo existe há vários anos, regrados pela Administração.
Talvez a educação superior esteja demorando muito para assumir a tarefa, pois no setor ainda existem muitas individualidades e, por que não?, egoísmos, que não somam, só subtraem.



Revoluções na Educação: Ecos de um Fórum



Na atualidade, os promotores de eventos voltados para congressos e fóruns, com lastro em conferências e palestras, precisam preocupar-se menos com os souvenirs e mais, muito mais com o grupo de painelistas.
As plateias tornaram-se exigentes, muito exigentes quanto aos conteúdos apresentados porque afinal, em geral, esses encontros têm alto custo de inscrição, ninguém tem mais tempo a perder e, a busca pela utilitaridade é dominante. Principalmente os eventos que se avizinham da vigésima edição ou perto dela, supondo que nos anteriores o conjunto foi de agrado: boa localização, boa alimentação, bom material de apoio, boa sonorização ambiente, consistência temática, etc. etc., suscitando debates e reflexões por vários meses.
Foi o que aconteceu com o exitoso 18º Fórum Nacional do Ensino Superior Particular Brasileiro (FNESP) promovido pelo SEMESP - Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo, nos dias 22 e 23 últimos, em São Paulo, na planta do Shopping Frei Caneca. A cereja do bolo da entidade.
Às 9h30 da quinta-feira Luery Morel abre o encontro com um tema impactante:
Destruição Criativa, destruindo o modelo antigo para a construção do novo.
Foi o suficiente para a plateia “acordar” depois do coffee-break. .
Mas a proposta disruptiva não ficou por aí. Então veio o tema Sistemas Educacionais e Competitividade: Análise Comparativa entre a Coreia do Sul, México e Brasil. Tarefa nada fácil, sobretudo com a ausência da expert professora Maria Helena Guimarães de Castro, que por certo estaria às voltas com a MP do ensino médio.
Ainda na quinta-feira, pelo derradeiro do dia, o FNESP apresentou a novidade de ter três painelistas no palco, todos falando sobre o tema mas ao foco de cada um sobre A Gestão das IES em Tempos de Incertezas. Como equilibrar a sustentabilidade, investir na inovação e ser relevante para a sociedade ao mesmo tempo ?
A expectativa da sexta-feira era grande para quem lia o programa e o início dos trabalhos, pela manhã, prometia novidades com Um Novo Olhar para o Ensino Superior, com três sessões simultâneas e igualmente instigantes com  o modelo adotado da simultaneidade. Aqui vale um esclarecimento: a plateia portava um receptor com headphone podendo optar entre as três exposições, bastando mover o dial com os respectivos canais. Eram três pontas muito interessantes e o ouvinte capturou por inteiro aquilo que mais lhe interessava ou alternava entre as três.

1-O que a pesquisa Semesp/Instituto Data Popular revelou sobre os anseios dos alunos da classe C e quais os caminhos para engajá-los no ensino superior? (Rodrigo Capelato).
2-Cursos de Graduação a Distância – Qual a visão dos estudantes sobre o que estamos oferecendo? (Débora Figueiredo)
3-Redução de Custos por Meio de Redes de Cooperação (Fabio Reis).
Em eventos dessa natureza vai-se a eles atraído pelo temário ou pelo nome do expositor, ou pelas duas razões.
Não raro têm-se decepções e uma nota 10, diante de um público exigente,  vem sendo difícil de atribuir quando o assunto é palpitante e domina a mídia com insistência. Há muitos aventureiros abordando o que não é de sua expertise imaginando que levará a plateia sob convencimento. E no mais das vezes os promotores de congressos não tiveram um “trailer” a poder avaliar que seu público aprovará. Sequer um roteiro rascunhado. É mais ou menos na base do “QI - Quem Indicou” ou “Ouvi Falar”.
Ao encerramento da tarde do segundo e último dia do Fórum aguardava-se um “grand finale”  com Ensino Superior em tempos de mudanças velozes: o que vai acontecer nos próximos anos? A pergunta é supina e extravagante para os
expositores Marcelo Tas, Clovis de Barros Filho e Rubens Barros, conduzidos sob a batuta do experiente comunicador e ali presidindo a sessão, Milton Jung, da Rádio CBN, por certo mediante altas pagas.
Não convenceram  mas se saíram muito bem na velha fazeção de “contar causos”, brilhantemente relatados, diga-se de passagem, mas que não eram o fulcro, perderam o foco, saíram-se mais para o espetáculo performático que sempre agrada mas não supre a plateia com a informação desejada.
A bem da verdade, a plateia já tinha absorvido que dificilmente a pergunta seria respondida na ocasião e quase certo, dentre os presentes, ninguém também ousaria uma resposta. Os expositores foram traídos por um canto de sereia ao aceitarem o convite e se deixaram levar exatamente pela imantação que suas personalidades inspiram e transmitem. Não se deram conta, entretanto, que o compromisso ia muito além do desempenho performático que o momento exibiu mas com certeza se deram conta disso no mais tardar quando desciam pelo elevador e se retiravam do recinto. O desiderato não foi cumprido.
Às vezes, congressos e fóruns nos pregam alguma peça quando se vai para ouvir um barítono mas lá vem um soprano.

Chacoalhada na Educação



A MP 746,  publicada em edição extra do Diário Oficial da União em 23 de setembro, traz de volta a dicotomia entre formação geral humanística e a profissional lançada pelo Governo FHC com o Decreto 2.208/97 – , mas vai além ao propor também a separação entre a base comum nacional e as áreas de ênfases do conhecimento: linguagens, matemática, ciências humanas e  naturais e ensino técnico profissional.

Como sempre acontece, com iniciativas mal pensadas e afoitas, o MEC poderá ter na sua frente um grande problema no confronto da atual MP, cuja vigência é de 120 dias, porque no horizonte aparecem disrupturas inevitáveis, a começar pelo ano letivo de 2017 quando a MP expira em 22 de janeiro. Ou seja dias antes do início do novo ano letivo.
Por segundo, em recente pronunciamento, o Ministro da Educação, Mendonça Filho, ressaltou que não há sintonia entre a realidade, os anseios dos jovens e o conteúdo ensinado no ensino médio, sendo fundamental a aprovação do Projeto de Lei 6.840, de 2013, ora tramitando no Congresso. Se conduzido até o fim (?) não haverá conflito entre a MP, o PL  e a Base Nacional Curricular?

A proposta estabelece que os currículos sejam organizados por 4 áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas. A divisão visa priorizar a interdisciplinaridade e a aplicação dos conhecimentos em outras áreas – e também no dia a dia dos alunos e na realidade do Brasil e do mundo.

O projeto visa a unificação de 13 disciplinas do ensino médio naquelas  quatro áreas do conhecimento

Para o filósofo Frederico Rochaferreira, “unificar disciplinas é uma ideia estúpida desde a origem e certamente essa não é uma boa saída para se melhorar a péssima qualidade do ensino no Brasil”. Segundo o escritor, a falha na educação brasileira não é outra senão a assimilação de ideias, o método de memorização, que engessa o desenvolvimento das ideias.

A secretária executiva do Ministério da Educação, Maria Helena Guimarães, afirma que o mais importante é que o ensino médio seja flexibilizado, substituindo a monotonia e o academicismo por um conteúdo mais leve e próximo da vida dos alunos.
“O primeiro, segundo e terceiro ano do ensino médio é igual para todos no Brasil, e ninguém está aprendendo nada”, lamentou a secretária em entrevista ao Programa Educação no Ar, da TV MEC. “O ideal é você ter pelo menos a metade do ensino médio dedicada àquilo que é comum para a formação geral do aluno, como língua portuguesa, matemática, língua estrangeira, conhecimentos gerais em história, geografia, filosofia”, defende.

Na segunda metade, explica Maria Helena, viria a flexibilização, quando os alunos poderiam optar pela área de conhecimento de sua preferência, área de educação profissional ou até escolher um curso técnico integrado, que lhe ofertaria um duplo certificado ao final.
Nem só análises e discussões envolvem a questão da neo proposta para a educação básica, nível médio. As constatações aí estão para corroborar com a necessidade de avanços, mudanças e transformações estruturais porque os dados são alarmantes e desoladores, principalmente pela evasão/abandono que carrega índices nefastos de uma geração que não se encontra, não se acha no cenário nacional, os sem trabalho e os sem diploma. Em 2015, enquanto a taxa de abandono do ensino fundamental foi de 1,9%, a do médio chegou a 6,8%. Já a reprovação do fundamental é de 8,2%, frente a 11,5% do médio.

Ao tratar da reformulação curricular do médio, fica-se a inventar a roda como a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados que aprovou proposta que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) (LDB) para incluir o esperanto como matéria facultativa no currículo do ensino médio. A versão aprovada é um substitutivo ao PL 6.162/09, do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), para quem  a oferta da língua seria obrigatória, caso existisse demanda que a justificasse.

A mesma Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou proposta que torna obrigatória a presença de tradutor e intérprete de Libras nas salas de aula dos ensinos básico e superior para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos surdos. A iniciativa está prevista no Projeto de Lei 1.690/15, do deputado Hélio Leite (DEM-PA). O texto acrescenta a exigência à LDB.
Os mantenedores vão se mexer pois algumas turmas poderão ter custos adicionais que nem todos integrantes concordarão com tal elevação.
A educação nacional está na pauta do dia e de todo lado chegam novidades mas podem gerar conflitos pela eventual desarmonia que gerarão. Veja a proposta a seguir.
A possibilidade de transferir para a União atribuições educacionais dos estados, municípios e do Distrito Federal (DF) está prevista no Projeto de Lei Complementar (PLS 337/2016) apresentado pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF). A proposta regulamenta a cooperação federativa na educação e institui o chamado Padrão Nacional Mínimo de Qualidade da Educação Básica. A matéria foi apresentada no último dia 12 de setembro, encaminhada à Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado, e aguarda indicação de relator.
Atualmente, a execução das políticas para a educação pré-escolar e para o ensino fundamental é de competência dos municípios e do DF, seguindo os critérios da LDB. Conforme o texto do projeto, essa competência poderia ser federalizada por meio de leis locais, desde que a União as aceitasse, tendo prioridade cidades e estados com serviços educacionais em "situação crítica de desempenho”.
Como se vê, vem por aí extravagâncias que podem conflitar.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Economia Criativa Tem a Ver com a Disciplina Artes?



Na China, um novo plano de desenvolvimento acaba de considerar o design como prioridade para suas empresas, que hoje se deparam com os limites da competitividade baseada apenas na redução dos custos de produção. (...) Essa ênfase é encontrada em outros países e a União Europeia, por exemplo, não para de promover uma incitação à criatividade que associe o progresso técnico-científico e a expressão artística.
Xavier Greffe [1]
Neste artigo desejo reforçar o conceito de economia criativa, que julgo de muita atualidade e imbricação com o que está cenarizado a partir da Medida Provisória (MP) 746 que “mexe” com o segmento da educação básica nacional, quando institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Trata-se do Novo Ensino Médio anunciado pelo governo.
No ensino médio ainda em vigor compõem o currículo matemática, ciências da natureza (ciências, física, química e biologia), linguagens (línguas portuguesa e estrangeira, arte e educação física) e ciências humanas (história, geografia, sociologia e filosofia). Para o que vem pela frente, por certo, muita mudança ocorrerá quando a fase conclusiva da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) for aprovada pelo Conselho Nacional de Educação..

Sobre a polêmica de acabar com a obrigatoriedade das disciplinas de sociologia, filosofia, arte e educação física, a questão não será decidida pela lei (MP), mas pela
BNCC, que ainda está sendo definida. Em outras palavras, a ideia é flexibilizar o currículo propondo várias disciplinas optativas dando autonomia aos alunos. Pode ser uma forma de reter na escola quem conseguiu passar bem pelo Fundamental 2. Mas não é solução para quem chega ao ensino médio com dificuldades.

Se o aluno carregar déficits de anos anteriores – e isso parece ser a regra – não haverá disciplina optativa que o segure na escola. Ele vai desistir.
O que parece ser uma simples escolha, isso de preferir por esta ou aquela optativa, nunca se mostrou como solução do autoexame de preferências. No passado, quando os cursos eram pelo regime de créditos, o aluno era quem “montava” a sua grade, uma autêntica colcha de retalhos, ou, como queiram, um rançoso queijo suíço. E com isso o estudante achava estar se preparando para o mundo do trabalho quando então existiam menos opções funcionais.
Hoje, se o egresso de curso universitário não tiver saído dele para enfrentar um mundo multifacetado, pode correr sérios riscos de empregabilidade.

Conforme Sabine Righetti, na Folha de S.Paulo, de 22/09/16, no Brasil, o aluno corre o risco de escolher apenas as disciplinas com as quais tem alguma afinidade, mas deixando de lado aquelas nas quais tem dificuldade. Com isso, pode terminar a escola com uma defasagem enorme, sem condições de competir por vaga no ensino superior. Ser "protagonista do seu percurso", como prega o ministro Mendonça Filho ao falar de escolha das disciplinas, é uma ideia tentadora. No entanto, a maioria dos adolescentes não tem condições psicológicas nem fisiológicas para decidir sozinhos. A parte cerebral responsável pelo planejamento de longo prazo, por exemplo, só amadurece por volta dos 24 anos. A escolha de disciplinas e o planejamento de estudos, portanto, devem ser feitos com orientação e mentoria. Isso vai acontecer de maneira efetiva ou os alunos ficarão soltos à própria sorte?

E mais, o Ministro não tem a mínima ideia de custos operacionais tendo que “plantar” na escola um enorme time de docentes para atender às optativas. É inadministrável para o país.
A possibilidade de abrir mão de educação física da grade também pode se configurar um desastre. Há estudos em várias áreas do conhecimento que mostram que os esportes, além de melhorar a autoestima, essencial na escola, aprimoram a capacidade de concentração e memorização. Especialistas recomendam a redução de horas de estudos e aumento de horas de esportes – prática bastante adotada na Finlândia, um dos países modelo em educação no mundo. A proposição estaria bem ao sabor do culto ao corpo, o fitness, a longevidade. Isso de recomendar menos horas de estudo parece ir na contramão de um país emergente, até porque, por aqui já temos o mínimo do mínimo ainda que pela MP haja a intenção de ampliar a carga horária, sem no entanto melhorar o desempenho dos docentes, instalação de laboratórios que assim possam ser chamados, incremento de acervos nas bibliotecas, etc. etc.

Aqui vale ressaltar que temos, isso sim, muito poucos dias letivos ao longo do ano e urge diminuir as férias letivas, os dias sem atividades, o exagero de feriados e tudo o mais que em realidade não permite somar sequer 80 dias em cada semestre. Um absurdo, afora greves e paredismos de todos os setores.

A BNCC específica para o ensino médio começará a ser discutida de acordo com o Ministério da Educação (MEC) e deverá ser finalizada até meados do ano que vem. Ou seja, sua implantação só se dará em 2018.
Na ediçãohttps://t.dynad.net/pc/?dc=5550001580;ord=1474912112901https://t.dynad.net/pc/?dc=5550001579;ord=1474912119702de 29/09/16, no caderno Ciência + saúde, a Folha traz considerações de Gabriel Alves sob o título “Educação física e artes trazem benefícios”, que enfatiza o consenso científico a favor de maior oferta de atividade física a estudantes e da disciplina Artes, que podem aumentar a criatividade. A julgar pelo destaque que a mídia deu relativamente à supressão de Educação Física e Artes do currículo do médio, como obrigatórias podendo passar a facultativas, a exclusão beira a insanidade.

Conforme G. Alves, dedicar-se a uma atividade artística – seja tocar piano ou aprender técnicas de escultura – faz uma pessoa ficar mais inteligente e melhorar o seu desempenho em outras disciplinas, como matemática e redação. Praticar uma atividade física, além de melhorar a coordenação motora e aumentar a sociabilidade, diminui drasticamente a incidência de doenças como diabetes, obesidade, câncer e acidentes cardiovasculares.
Para o sociólogo José de Souza Martins, membro da Academia Paulista de Letras, em artigo publicado no último dia 2, domingo, no caderno Aliás do jornal O Estado de S.Paulo, “a reforma curricular do ensino médio, proposta por medida provisória, centraliza a educação brasileira no português, na matemática e no inglês. O resto, por assim dizer, fica no plano secundário de decisões tópicas. Só uma explícita omissão de referência no cardápio educacional para as novas gerações, a suposta irrelevância da educação física, gerou gritos e berros. Não houve queixas similares em relação às artes e às humanidades. Ao que parece, queremos uma pátria de gente atlética, mesmo que ignorante”.
Opiniões divergentes à parte, G. Alves também sai em defesa da manutenção de Artes no currículo pois, para ele, se menos traumática para a saúde física, a retirada da obrigatoriedade do ensino de artes terá impacto importante não só na formação cultural, como também no aprendizado de outras disciplinas.

Jose S. Martins tem várias perguntas: Como ter alguma certeza no meio de tanta incerteza? Como saber sem conhecer, conhecer sem aprender, aprender sem ter quem ensine? Como ter notório saber para ensinar sem ter aprendido para saber? Quem ensinará ao ensinador? Quem aprenderá no vazio das perguntas sem respostas?

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz acreditar que “a felicidade dos indivíduos será maior em países onde a arte tem um papel proeminente nas escolas”. A entidade também elege a arte como a melhor maneira de fomentar a criatividade, competência hoje muito procurada em profissionais por causa da capacidade de inovar e de achar soluções não usuais para toda sorte de problemas.
E onde entra nisso tudo a Economia Criativa? Nossos jovens, futuros universitários e ingressantes no mercado de trabalho, não careceriam de tudo que envolve e está por trás das artes, da educação física, do desenvolvimento integral?

A economia criativa foca, essencialmente, no potencial individual ou coletivo para produzir bens e serviços criativos. Grande parte dessas atividades vem do setor de cultura, moda, design, música e artesanato. Outra parte é oriunda do setor de tecnologia e inovação, como o desenvolvimento de softwares, jogos eletrônicos e aparelhos de celular. Também estão incluídas as atividades de televisão, rádio, cinema e fotografia, além da expansão dos diferentes usos da internet (desde as novas formas de comunicação até seu uso mercadológico), por exemplo.

A economia criativa tornou-se uma poderosa força transformadora no mundo de hoje. Criatividade e inovação, tanto individual quanto em grupo, são a verdadeira riqueza das nações no século 21. A base da economia criativa é a junção de pessoas com imaginação e talento, que comunicam ou transmitem valores culturais através de produtos ou serviços como: música, teatro, entretenimento, artes visuais e moda, etc. Será tudo isso viável sem que o currículo das escolas contemple a disciplina Artes como essencial para o desenvolvimento integral do aluno?

[1] Xavier Greffe:
professor da Universidade Sorbonne (Paris), onde coordena o programa de doutorado de economia das artes e das mídias. Autor de A economia artisticamente criativa – arte, mercado, sociedade (Iuminuras).