sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Economia Criativa Tem a Ver com a Disciplina Artes?



Na China, um novo plano de desenvolvimento acaba de considerar o design como prioridade para suas empresas, que hoje se deparam com os limites da competitividade baseada apenas na redução dos custos de produção. (...) Essa ênfase é encontrada em outros países e a União Europeia, por exemplo, não para de promover uma incitação à criatividade que associe o progresso técnico-científico e a expressão artística.
Xavier Greffe [1]
Neste artigo desejo reforçar o conceito de economia criativa, que julgo de muita atualidade e imbricação com o que está cenarizado a partir da Medida Provisória (MP) 746 que “mexe” com o segmento da educação básica nacional, quando institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Trata-se do Novo Ensino Médio anunciado pelo governo.
No ensino médio ainda em vigor compõem o currículo matemática, ciências da natureza (ciências, física, química e biologia), linguagens (línguas portuguesa e estrangeira, arte e educação física) e ciências humanas (história, geografia, sociologia e filosofia). Para o que vem pela frente, por certo, muita mudança ocorrerá quando a fase conclusiva da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) for aprovada pelo Conselho Nacional de Educação..

Sobre a polêmica de acabar com a obrigatoriedade das disciplinas de sociologia, filosofia, arte e educação física, a questão não será decidida pela lei (MP), mas pela
BNCC, que ainda está sendo definida. Em outras palavras, a ideia é flexibilizar o currículo propondo várias disciplinas optativas dando autonomia aos alunos. Pode ser uma forma de reter na escola quem conseguiu passar bem pelo Fundamental 2. Mas não é solução para quem chega ao ensino médio com dificuldades.

Se o aluno carregar déficits de anos anteriores – e isso parece ser a regra – não haverá disciplina optativa que o segure na escola. Ele vai desistir.
O que parece ser uma simples escolha, isso de preferir por esta ou aquela optativa, nunca se mostrou como solução do autoexame de preferências. No passado, quando os cursos eram pelo regime de créditos, o aluno era quem “montava” a sua grade, uma autêntica colcha de retalhos, ou, como queiram, um rançoso queijo suíço. E com isso o estudante achava estar se preparando para o mundo do trabalho quando então existiam menos opções funcionais.
Hoje, se o egresso de curso universitário não tiver saído dele para enfrentar um mundo multifacetado, pode correr sérios riscos de empregabilidade.

Conforme Sabine Righetti, na Folha de S.Paulo, de 22/09/16, no Brasil, o aluno corre o risco de escolher apenas as disciplinas com as quais tem alguma afinidade, mas deixando de lado aquelas nas quais tem dificuldade. Com isso, pode terminar a escola com uma defasagem enorme, sem condições de competir por vaga no ensino superior. Ser "protagonista do seu percurso", como prega o ministro Mendonça Filho ao falar de escolha das disciplinas, é uma ideia tentadora. No entanto, a maioria dos adolescentes não tem condições psicológicas nem fisiológicas para decidir sozinhos. A parte cerebral responsável pelo planejamento de longo prazo, por exemplo, só amadurece por volta dos 24 anos. A escolha de disciplinas e o planejamento de estudos, portanto, devem ser feitos com orientação e mentoria. Isso vai acontecer de maneira efetiva ou os alunos ficarão soltos à própria sorte?

E mais, o Ministro não tem a mínima ideia de custos operacionais tendo que “plantar” na escola um enorme time de docentes para atender às optativas. É inadministrável para o país.
A possibilidade de abrir mão de educação física da grade também pode se configurar um desastre. Há estudos em várias áreas do conhecimento que mostram que os esportes, além de melhorar a autoestima, essencial na escola, aprimoram a capacidade de concentração e memorização. Especialistas recomendam a redução de horas de estudos e aumento de horas de esportes – prática bastante adotada na Finlândia, um dos países modelo em educação no mundo. A proposição estaria bem ao sabor do culto ao corpo, o fitness, a longevidade. Isso de recomendar menos horas de estudo parece ir na contramão de um país emergente, até porque, por aqui já temos o mínimo do mínimo ainda que pela MP haja a intenção de ampliar a carga horária, sem no entanto melhorar o desempenho dos docentes, instalação de laboratórios que assim possam ser chamados, incremento de acervos nas bibliotecas, etc. etc.

Aqui vale ressaltar que temos, isso sim, muito poucos dias letivos ao longo do ano e urge diminuir as férias letivas, os dias sem atividades, o exagero de feriados e tudo o mais que em realidade não permite somar sequer 80 dias em cada semestre. Um absurdo, afora greves e paredismos de todos os setores.

A BNCC específica para o ensino médio começará a ser discutida de acordo com o Ministério da Educação (MEC) e deverá ser finalizada até meados do ano que vem. Ou seja, sua implantação só se dará em 2018.
Na ediçãohttps://t.dynad.net/pc/?dc=5550001580;ord=1474912112901https://t.dynad.net/pc/?dc=5550001579;ord=1474912119702de 29/09/16, no caderno Ciência + saúde, a Folha traz considerações de Gabriel Alves sob o título “Educação física e artes trazem benefícios”, que enfatiza o consenso científico a favor de maior oferta de atividade física a estudantes e da disciplina Artes, que podem aumentar a criatividade. A julgar pelo destaque que a mídia deu relativamente à supressão de Educação Física e Artes do currículo do médio, como obrigatórias podendo passar a facultativas, a exclusão beira a insanidade.

Conforme G. Alves, dedicar-se a uma atividade artística – seja tocar piano ou aprender técnicas de escultura – faz uma pessoa ficar mais inteligente e melhorar o seu desempenho em outras disciplinas, como matemática e redação. Praticar uma atividade física, além de melhorar a coordenação motora e aumentar a sociabilidade, diminui drasticamente a incidência de doenças como diabetes, obesidade, câncer e acidentes cardiovasculares.
Para o sociólogo José de Souza Martins, membro da Academia Paulista de Letras, em artigo publicado no último dia 2, domingo, no caderno Aliás do jornal O Estado de S.Paulo, “a reforma curricular do ensino médio, proposta por medida provisória, centraliza a educação brasileira no português, na matemática e no inglês. O resto, por assim dizer, fica no plano secundário de decisões tópicas. Só uma explícita omissão de referência no cardápio educacional para as novas gerações, a suposta irrelevância da educação física, gerou gritos e berros. Não houve queixas similares em relação às artes e às humanidades. Ao que parece, queremos uma pátria de gente atlética, mesmo que ignorante”.
Opiniões divergentes à parte, G. Alves também sai em defesa da manutenção de Artes no currículo pois, para ele, se menos traumática para a saúde física, a retirada da obrigatoriedade do ensino de artes terá impacto importante não só na formação cultural, como também no aprendizado de outras disciplinas.

Jose S. Martins tem várias perguntas: Como ter alguma certeza no meio de tanta incerteza? Como saber sem conhecer, conhecer sem aprender, aprender sem ter quem ensine? Como ter notório saber para ensinar sem ter aprendido para saber? Quem ensinará ao ensinador? Quem aprenderá no vazio das perguntas sem respostas?

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz acreditar que “a felicidade dos indivíduos será maior em países onde a arte tem um papel proeminente nas escolas”. A entidade também elege a arte como a melhor maneira de fomentar a criatividade, competência hoje muito procurada em profissionais por causa da capacidade de inovar e de achar soluções não usuais para toda sorte de problemas.
E onde entra nisso tudo a Economia Criativa? Nossos jovens, futuros universitários e ingressantes no mercado de trabalho, não careceriam de tudo que envolve e está por trás das artes, da educação física, do desenvolvimento integral?

A economia criativa foca, essencialmente, no potencial individual ou coletivo para produzir bens e serviços criativos. Grande parte dessas atividades vem do setor de cultura, moda, design, música e artesanato. Outra parte é oriunda do setor de tecnologia e inovação, como o desenvolvimento de softwares, jogos eletrônicos e aparelhos de celular. Também estão incluídas as atividades de televisão, rádio, cinema e fotografia, além da expansão dos diferentes usos da internet (desde as novas formas de comunicação até seu uso mercadológico), por exemplo.

A economia criativa tornou-se uma poderosa força transformadora no mundo de hoje. Criatividade e inovação, tanto individual quanto em grupo, são a verdadeira riqueza das nações no século 21. A base da economia criativa é a junção de pessoas com imaginação e talento, que comunicam ou transmitem valores culturais através de produtos ou serviços como: música, teatro, entretenimento, artes visuais e moda, etc. Será tudo isso viável sem que o currículo das escolas contemple a disciplina Artes como essencial para o desenvolvimento integral do aluno?

[1] Xavier Greffe:
professor da Universidade Sorbonne (Paris), onde coordena o programa de doutorado de economia das artes e das mídias. Autor de A economia artisticamente criativa – arte, mercado, sociedade (Iuminuras).

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