Prof. Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional
roney.signorini@superig.com.br
Assessor e Consultor Educacional
roney.signorini@superig.com.br
O gênio de Millor Fernandes era insuperável para sua
época, como criativo e inventivo, via tudo sempre com grande simplicidade.
Lembrando-se de um episódio, tentando garfar uma ervilha, o que parecia
impossível pois ela sempre fugia-lhe pelo prato, mais tarde considerou que se
tratava de uma ervilha mercurial. E é absolutamente certo. Quando o termômetro
é quebrado e lhe escorre o mercúrio ninguém consegue pegar a gota.
Insistir em traçar um paralelo de análises na educação
superior entre a pública e a privada, considerando uma e desconsiderando a
outra vai-se além da miopia teimosa, é a cegueira.
Nos últimos
anos começa a se generalizar entre os pesquisadores uma preocupação crescente
com o significado e os efeitos do ensino privado ao lado do público.
No Brasil, as
universidades constituíram, até a década de 1980, uma parte pequena do ensino
superior. Além de instituições confessionais e de escolas superiores sem fins
lucrativos criadas por elites locais, proliferou, já a partir da década de
1960, um outro tipo de estabelecimento: não-confessional, não-universitário e
organizado como empresa que, explícita ou disfarçadamente, tinha como objeto
principal o lucro, portanto, um negócio, como qualquer outro.
O que já
estava claro e permeou o debate sobre o ensino superior foi o caráter
preocupante da expansão desse tipo de estabelecimento privado. Assim, o ensino
superior começou a produzir um combate dos intelectuais e estudantes ao ensino
privado e em defesa da universidade pública. Ou seja, a beligerância cega nunca
quis enxergar que a ascensão desse tipo de instituição surge senão pela
fraqueza do Estado, a desídia com os (seus)próprios estabelecimentos públicos,
com o absurdo de alunos considerados “excedentes” sem vagas nas escolas públicas,
o aumento exagerado do corporativismo se enclausurando nos muros das
universidades públicas e com ares de dominadores e posseiros intolerantes: a
academia que não soma nem multiplica mas subtrai porque não agrega, não
colabora, não coopera e claro, não ajuda.
Educação, um
rio com duas margens distintas: a pública e a privada correndo em única direção
mas a primeira dominada pela intenção separatista.
É necessário
registrar que entre 1889 e 1918 foram criadas 56 novas escolas superiores, em
sua maioria privadas. Data dessa época, portanto, a diversificação do sistema
que marca até hoje o ensino superior brasileiro: instituições públicas e
leigas, federais ou estaduais, ao lado de instituições privadas, confessionais
ou não.
A oposição
entre ensino público e privado, em sua origem, sempre esteve fortemente
permeada pela oposição público versus confessional.
Em 1933, quando se iniciam as primeiras estatísticas educacionais, os dados indicam que as instituições privadas respondiam por cerca de 44% das matrículas e por 60% dos estabelecimentos de ensino superior. O conjunto do sistema, entretanto, era ainda de proporções muito modestas. O total do alunado compreendia apenas 33.723 estudantes. Durante o período Vargas, que se estendeu até 1945, o sistema cresceu lentamente. Nesse último ano, contava com cerca de 42 mil alunos, 48% dos quais no setor privado.
Em 1933, quando se iniciam as primeiras estatísticas educacionais, os dados indicam que as instituições privadas respondiam por cerca de 44% das matrículas e por 60% dos estabelecimentos de ensino superior. O conjunto do sistema, entretanto, era ainda de proporções muito modestas. O total do alunado compreendia apenas 33.723 estudantes. Durante o período Vargas, que se estendeu até 1945, o sistema cresceu lentamente. Nesse último ano, contava com cerca de 42 mil alunos, 48% dos quais no setor privado.
Como se vê, a
pretensa hegemonia do setor público educacional
não vai além do papel e os números garantindo as realidades, como exemplo, em
1960 as públicas somavam 59.624 (56%) alunos enquanto que as privadas
42.067(44%) mas, a partir daí a expansão caminhou célere chegando ao ano 2001
com 939.225(31%) nas públicas e 2.091.529(69%) nas privadas.
No Brasil, as
universidades públicas gratuitas foram o alvo preferido de uma constante
reivindicação de ampliação de vagas. De fato, com o aumento da demanda,
acumulou-se nelas um contingente de candidatos excedentes, constituído por
alunos aprovados nos exames vestibulares que não podiam ser admitidos por falta
de vagas. A admissão desses excedentes tornou-se uma importante reivindicação
do movimento estudantil. Essa pressão começou a dar frutos já no início da
década de 1960, quando o crescimento das matrículas se acelerou.
O setor
privado, cuja participação oscilava em torno dos 45% até 1965, atingiu 50% em
1970, e, a partir dessa época, alcançou e manteve uma participação superior a
60%. Quando chegamos ao final da década de 1970, o sistema de ensino superior
havia mudado muito e o desenvolvimento dos setores público e privado havia se
dado em linhas divergentes.
Direcionados
pelo objetivo de ampliar a lucratividade do empreendimento, pela captação da
demanda disponível, o setor privado passou a ser governado pelo mercado.
Criou-se, desta forma, o setor que corresponde ao que Geiger denomina “mass
private sector”, ao lado de um setor público que se orientou no sentido de
atender a uma demanda mais qualificada (Geiger, 1986).
A expansão do
segmento setor privado, que podemos chamar de empresarial, se orientou para a
satisfação dos componentes mais imediatos da demanda social, que consiste na
obtenção do diploma. Essa tendência é reforçada por uma longa tradição
cartorial da sociedade brasileira, que associa diploma de ensino superior ao
acesso a uma profissão regulamentada e assegura a seus portadores nichos
privilegiados no mercado de trabalho. O sistema privado dividiu-se internamente
entre um segmento comunitário ou confessional não lucrativo — que se
assemelhava ao setor público — e um segmento empresarial.
Nos anos
1980, o setor privado se orientou no sentido de ampliar o tamanho dos
estabelecimentos por processos de fusão e incorporação de estabelecimentos
menores, criando federações de escolas e procurando em seguida transformá-las
em universidades, para ganhar autonomia e fugir dos controles do CFE. O
Conselho Federal de Educação foi inundado com pedidos dessa natureza, e a
atividade dos lobbies junto ao Conselho se intensificou. De 1975 a 1985, o
número de universidades privadas permaneceu estável — vinte ao todo.
Entretanto, cresceram, e muito, as federações de faculdades ou faculdades
integradas. Essa nova forma de organização é reconhecida oficialmente apenas
nas estatísticas de 1980, que indicam dez estabelecimentos desse tipo. Cinco
anos depois, eram 58 e, em 1990, atingiram 74. O aumento do número de
universidades privadas, por outro lado, é um fenômeno da segunda metade da
década. Entre 1985 e 1990, o crescimento é de 145%, passando de vinte a 49.
No final dos
anos 1980, um novo desvio no setor privado. Até essa época, as universidades
privadas eram predominantemente confessionais ou comunitárias, sem fins
lucrativos, e tendiam a se assemelhar às universidades públicas. O movimento de
expansão das universidades particulares, que ocorre a partir de 1985, se dá
graças à pressão do setor voltado para o ensino de massa, de finalidades
lucrativas, com pouco interesse pelo desenvolvimento das atividades de pesquisa
e de qualificação do corpo docente, atribuição das públicas.
A
democratização do ensino, com a absorção da demanda de caráter mais popular,
continuou na dependência crescente do ensino privado de massa, papel que lhe é
reservado por excelência. O imediatismo do setor, por outro lado, não promoveu
uma renovação de ensino que possa corrigir as deficiências da escolaridade
anterior desse público e oferecer uma formação adequada às exigências
crescentes do mercado de trabalho.
A margem
esquerda desse rio da educação carece de novo traçado, uma reforma administrativa do ensino público
e da relação entre as instituições e o Estado de modo a quebrar o rígido
centralismo burocrático e promover uma racionalização necessária na utilização
de recursos disponíveis. O problema reside na ausência de autonomia
administrativa e financeira para as universidades públicas. Sem essa autonomia,
é impossível alterar a natureza da gestão e estabelecer um sistema de
financiamento que associe o volume de recursos a algum critério de desempenho.
Grande problema que felizmente não afeta as instituições privadas.