domingo, 25 de setembro de 2016

(in) Aproveitável TCC ( ! ? )



Sonhos determinam o que você quer.
Ação determina o que você conquista.
Aldo Novak

Prof. Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional
signorinironey1@gmail.com

O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na universidade, parece, pegou mesmo, nas públicas e nas particulares, em todos os cursos, e raro quem não o aplica regulamentadamente.
A sigla ganhou irmão siamês com Terminal de Carga Comprometida (TCC) e por certo tem lá seus motivos e razões, pois a expressiva maioria dos TCCs não tem qualquer aplicabilidade, usabilidade e é descartada ao virar do ano letivo.

E há nisso um desperdício monumental de todo mundo, alunos e professores, quando, se ao contrário fosse, seriam um extraordinário portfólio para os egressos dos cursos universitários. Com o TCC podem(riam) se apresentar frente a Recursos Humanos (RH) e começar por se oferecer no mercado de trabalho. Ou seja, podem(riam) levar na pasta um produto inovador ou uma minidissertação, esta, aliás, como um primeiro degrau de encaminhamento para um MBA ou Mestrado stricto sensu, no percurso da educação continuada. Com isso, milhares de folhas sulfite impressas com alguns litros de tonner/deskjet acabam indo para vala comum após o consumo de dezenas de horas de “dedicação” à obra prima, sem qualquer serventia e uso, seja na comunidade, seja nos mercados ansiosos por inovação. Fora as capas duras, o cabelo da mamãe feito na cabeleireira do bairro e o terno do papai bem passadinho, com vincos e tudo o mais, para a “grande apresentação”. Um desperdício sem conta que se arrasta por anos.

Apropriação de uma carga horária no currículo que poderia ser destinada a uma disciplina efetivamente útil à formação ou bem aproveitada no escopo do TCC, claro, mediante uma severa observação e  proficiente condução de parte dos docentes orientadores. O quadro indica um corporativismo muito grande na base do “eu engano que ensino e você engana que aprende”.

Pelos poucos resultados efetivos, ou melhor, nenhum, levando-se em conta que o ultimoanista tem um semestre para desenvolvê-lo, mas antes tem uma carga horária, digamos, de pré-requisito para definir o tema, receber a orientação do docente encarregado de conduzir o trabalho, a escolha da bibliografia, etc.
Supondo-se que a confecção do trabalho se dê no oitavo semestre, no sétimo é frequente a presença das disciplinas Metodologia Científica e Planejamento de TCC, e convindo com a lógica, nada mais correto para preparar o aluno e assim conduzi-lo com sinalizações de critérios.

Afinal, é voz corrente que o TCC é o clímax do curso, o apogeu que tudo mostra e demonstra na proposta de ensino-aprendizagem. Algo como “Eis aqui tudo que me foi ensinado, tudo que aprendi”.
Inteirei-me de centenas de TCCs, principalmente nas décadas de 1990 e 2000, cujos conteúdos mais pareciam um projeto experimental, aninhado numa iniciação científica. Um produto meio híbrido cuja consequência era a de apresentação com certo formalismo que inclui(ía) uma banca examinadora composta do professor orientador, um convidado externo e outro convidado integrante do corpo docente da escola.
O trabalho, individual ou grupal (neste particular limitado a até três colegas[?]), impresso e encadernado, via de regra, era deixado com dias de antecedência ao membros da banca para a leitura, anotações e eventuais questionamentos.

O grande dia, num auditório da escola, pronto e preparado para o grand finale, recebe(ia) parentes e amigos do(s) expositor(es), tudo com certa solenidade, iluminação adequada, sonorização afinada e lá iam espaço adentro, para a apresentação, limitadamente a um determinado tempo, parte a parte. Uma performance um tanto teatral ou circense. Funambulismos no canto, de quem anda sobre arame ou corda, em geral, o tema é decepcionante, sem empregabilidade no mundo real do trabalho. A escolha do elaborador do TCC e pior ainda, a concordância do docente orientador, é de uma insignificância muito grande quando temas aflitivos na sociedade, em todas as áreas, clamam por estudos e pesquisa. Ou seja, desinteligência gigantesca.

Então, para que serve o TCC no conjunto da matriz curricular de um curso?
A resposta me parece óbvia, pois a conclusão do curso deve se dar após a exaustão de todo o currículo, o que pode ficar próximo de 35 a 40 disciplinas que dominaram os estudos com as exigidas trans-interdisciplinaridades. Ou seja, é a razão da composição holística do projeto, do Trabalho, tangenciando todas as riquezas conteudísticas ofertadas ao longo do curso.
Os TCCs, se pensados com consequência(e ouso dizer, com mais seriedade) devem(riam) servir para dois propósitos.

O primeiro, é a apresentação de um produto inovador no mercado. O estudante teria, então, durante todo o processo de desenvolvimento, a orientação do seu professor e uma banca capaz de apontar fragilidades e boas ideias para que o aluno burile o seu objeto. Na Europa, percurso inverso,  universidades existem que não propõem vestibular para ingresso mas a apresentação de um projeto exequível / executável para ser trabalhado ao longo do curso. Se não tem futuro “é reprovado”.

O segundo seria a continuidade da educação. Há alunos que não querem ir para o mercado sem antes cursar um pós-graduação. Sua monografia (orientada e julgada do mesmo modo que o produto) pode ser o seu projeto de dissertação de mestrado.
Incomoda muito a incapacidade de leitura do mundo, o distanciamento da competitividade, a desconsideração da globalização, a cegueira do inevitável
no confronto da criatividade.

Então, as respostas dessa dissociabilidade estão na orientação docente ou na resistência discente que insiste em adotar a mesmice, o descomprometido, o "laissez faire, laissez passer"?
Fica aqui um grito de utilização, a docentes e discentes, que se ocupem com o que a contemporaneidade está cobrando das mentes e inteligências atuantes: a utilidade decorrente da inovação e da criatividade, como dominantes e preponderantes na circunstância educacional de resultados, é o que importa e interessa.
Está mais do que na hora de se parar de perder tempo, papel, impressão e demais na montagem dos TCCs sem antes focar-se na utilidade.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Paradoxos do neologismo



Prof. Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional


Que a língua pátria vai de mal a pior a minoria já sabe, haja vista o desempenho e performance sofríveis que ficou demonstrado recentemente por certames nacionais e internacionais. Amargamos os últimos lugares.

A nova ortografia, que só a minoria sabe, já está em vigor (?) ou ainda não está, só veio pra complicar mais ainda a cabecinha da criançada posto que a maioria dos professores do fundamental e médio não têm domínio sobre o assunto.
O que brasileiro gosta mesmo é de estrangeirismos. Vejam a chegada destas dez  palavras e expressões que passaram a ser usadas em inglês na última década, largamente empregadas por aqui:
1. Amazeballs
Amada por alguns, odiada por outros tantos, essa gíria curiosa causou e ainda causa, um bocado de polêmica em relação ao seu uso e suas origens. Várias pessoas alegam serem suas precursoras, incluindo o notório colunista de fofocas de Hollywood, Perez Hilton. Foi em 2012 que a palavra apareceu no dicionário online Collins, que a definiu como uma bem-humorada alteração do original amazing. Como sua irmã mais velha, é usada para definir algo extraordinário e surpreendente, sendo mais utilizada por adolescentes.
2. Binge-watching
A palavra binge é usada para falar sobre situações em que alguém comete algum excesso, geralmente fazer a farra, beber todas, atacar a comida, ou, nesse caso, assistir de uma vez só vários episódios de seu seriado favorito. Fazer as chamadas “maratonas” de séries se tornou mais fácil após a popularização dos serviços de streaming e com a nova mania veio a nova expressão, bastante utilizada, inclusive, em sites de reviews e recomendações, como o Rotten Tomatoes.
3. Captcha
“Completely Automated Public Turing test to Tell Computers and Human Apart” ou Teste de Turing Público Completamente Automatizado para Diferenciação entre Computadores e Humanos é uma ferramenta utilizada por vários sites para, claro, diferenciar humanos e computadores. Implementado por mais de três milhões e meio de sites ao redor do mundo, ele impede os bots – programas usados para completar tarefas automatizadas – de participarem de esquemas de fraudes, criando perfis falsos que podem ser utilizados em inúmeras práticas ilegais.
4. Chillax
Outra gíria formada pela junção de palavras, nesse caso chill e relax. Utilizada principalmente quando queremos sugerir a alguém que relaxe, deixe pra lá as preocupações e curta um pouco o momento.
5. Click bait
Imagine a situação: Você navega tranquilamente pela sua página favorita quando começam a aparecer sugestões para outras notícias com chamadas curiosas e extraordinárias, como uma dieta milagrosa ou um animal estranho que foi descoberto em um país exótico. Quando você clica, é direcionado para uma página infestada por anúncios oferecendo produtos que você nunca teve a intenção de comprar. É isto que faz um click bait, ou uma “isca de cliques”. Elas também estão presentes em páginas de redes sociais, serviços de mensagens e, recentemente, alguns youtubers também têm sido acusados de nomearem seus vídeos com títulos interessantes e atrativos, e apresentar conteúdos não tão interessantes ou atrativos, ou até mesmo sem relação com o título.
6. Cyberbullying
Conforme a discussão ao redor da prática de bullying nas escolas foi ganhando força, a atenção também se voltou ao cyberbullying, que pode ser tão prejudicial e perigoso quanto aquela prática. De acordo com o site stopcyberbullying.org, voltado ao combate da prática através da conscientização, o cyberbullying “é quando uma criança, pré-adolescente ou adolescente é atormentado, ameaçado, assediado, humilhado, exposto, ou de qualquer modo alvejado por outra criança, pré-adolescente ou adolescente por meio da internet, tecnologias digitais e interativas ou telefones celulares”. O site reforça que a definição só se aplica quando há uma criança ou adolescente nas duas extremidades da relação. Quando um adulto está envolvido, trata-se de assédio ou perseguição, práticas também graves.
7. Paywall
Uma paywall funciona como uma barreira virtual que previne o acesso a certos conteúdos em uma página da internet, a não ser que o usuário contrate o serviço completo, o que envolve o pagamento de taxa mensal ou de assinatura. Sabe quando você está lendo uma notícia, mas precisa se cadastrar e pagar a assinatura para continuar? Pois é. O paywall também é utilizado em alguns games online grátis, onde parte do conteúdo como mapas e personagens precisa ser liberada através de pagamento.
8. Podcast
Programas de notícia ou de variedade que são transmitidos em formato digital e distribuídos por meio de streaming ou download. O nome vem das palavras broadcast e ipod, o famoso gadget da Apple. Os podcasts se tornaram muito populares e os assuntos tratados nos programas variam de notícias locais a política e cultura pop.
9. Unfriend
De acordo com o Oxford Dictionary, “remover (alguém) da lista de amigos ou contatos em uma rede social”. Começou com o Facebook, mas hoje em dia é comum encontrar a opção pouco amigável em outras redes sociais. A propósito, o verbo é regular, então, para formar o passado, usamos –Ed: I haven’t unfriended him yet.
10. Meetnapping
Essa palavrinha interessante, resultado da junção de meeting (reunião) e kidnapping (sequestro), tem sido usada no mundo dos negócios para definir uma prática considerada prejudicial tanto para os funcionários quanto para a empresa: Meetnapping é o ato de forçar um colega de trabalho a participar de reuniões inúteis que acarretam em perda de tempo. É isso mesmo. Descrita por vezes como um tipo real de sequestro, embora não seja ilegal, a prática tem sido tratada como uma questão séria de abuso no ambiente de trabalho.

Assim, ficamos expostos a todo sorte de extravagâncias linguísticas e vocabulares, ainda que proposta de ministério fosse a de abolir qualquer termo/palavra que não o português/brasileiro em todos os canais de comunicação.

Quase uma insensatez, um projeto de lei, aprovado em março de 2001 na Câmara dos Deputados, restringia o uso de palavras estrangeiras obrigando o uso da língua portuguesa por brasileiros natos e naturalizados e pelos estrangeiros residentes no Brasil há mais de um ano. O projeto regia o ensino e a aprendizagem; o trabalho; as relações jurídicas; a expressão oral, escrita audiovisual e eletrônica oficial e nos eventos públicos nacionais; os meios de comunicação de massa; e a publicidade de bens, produtos e serviços. Era o PL nº 1676, proposto pelo então deputado Aldo Rebelo, do PC do B de São Paulo. Não passou no Senado. Arnaldo Niskier levantou as mãos aos céus.



Para promover, proteger e defender a língua  portuguesa, o Art. 2° do Projeto de Lei determinava que o Poder Público, com a colaboração da sociedade, devia melhorar as condições de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa em todos os graus, níveis e modalidades da educação nacional.
 
O professor de português Pasquale Cipro Neto, na coleção didática Ao Pé da Letra, trata do uso de certos estrangeirismos de forma bem humorada. Ele sugere, ironicamente, que não há substituição para palavras como pizza, por exemplo, que teria que ser substituída por algo como "disco de massa com queijo e molho de tomate". Acrescentaria, digerida por políticos.

No texto de apresentação do projeto aos seus pares no Congresso, intitulado "Culta, Bela e Ultrajada: um projeto em defesa da língua portuguesa", Aldo Rabelo afirma que a proposta "trata com generosidade as exceções, e ainda abre à regulamentação a possibilidade de novas situações excepcionais". Neste mesmo documento, o deputado mostra a sua intenção de "conscientizar a nação de que é preciso agir em prol da língua pátria, mas sem xenofobia ou intolerância de nenhuma espécie. É preciso agir com espírito de abertura e criatividade para enfrentar - com conhecimento, sensibilidade e altivez - a inevitável, e claro indesejável, interpenetração cultural que marca o nosso tempo globalizante."

Quase que provocando, entra no ar a sordidez no livro didático ao propor atividade escolar fazendo piada obscena para ilustrar 'variedade linguística'.
O fim do mundo. No exercício, os alunos do 4º ano do Ensino Fundamental tinham de reescrever um trecho em linguagem culta, no entanto, uma parte dizia: “magina ocê que tinha um pinto dentro!!!!? Agora cê já pensô seu cuzinho [sic] cum pinto dentro??” O foco era um ovo galado.

Em 2011, o livro “Por uma Vida Melhor” da Coleção Viver, Aprender, adotado pelo Ministério da Educação, foi alvo de críticas por usar linguagem popular, como “nós pega o peixe”. Agora em 2016, uma escola estadual em Coronel Fabriciano, em Minas Gerais, é alvo de uma nova polêmica por conta de um exercício que teoricamente pretende estudar regionalismo linguístico, mas que na prática usou o duplo sentido para fazer uma piada obscena.
Apesar da direção da escola ter negado a suposta maldade no exercício, muitos pais não se convenceram e não aprovaram a tarefa. “Ressaltamos que não se trata de uma atividade avaliativa, e sim de uma atividade trabalhada em sala de aula com a mediação dos professores, cujo objetivo era de  transformar a linguagem coloquial para a linguagem formal, além da valorização e o respeito da linguagem popular/diversidade. A atividade proposta transcorreu tranquilamente em sala de aula, pois os alunos e os professores não levaram em consideração a maldade por duplo sentido criada por outras pessoas”, disse a escola em nota. A Secretaria de Educação, por sua vez, disse que vai fazer uma reunião com os pais para esclarecer a situação.
O uso de linguagem popular em sala de aula, inclusive em obras didáticas que abordam essas variantes da língua, segue uma orientação do MEC.
Foi o maior bafafá,  escola tentando explicar o texto com palavra obscena e os pais questionando a  atividade, com justa razão.

Aprovada, ou não, pelo MEC, essa suposta pedagogia avançada só reflete a pequenez e visão tacanha de muitos “soi disant” pedagogos, inclusive os do próprio MEC, ideologicamente contaminados. Eles estão contribuindo para nos afastar, cada vez mais, da indispensável língua culta, referência necessária para desenvolver o pensamento. Não à toa, continuamos a ocupar vergonhosas posições no ranking mundial de escolaridade básica. Até parece intencional cultivar a ignorância e desinformação do futuro (e)leitor.

Para arrematar, o internetês está em nossas praias com acinte de explodir túmulos machadianos / camonianos.
Se você acha que não sabe o que é internetês, mas consegue ler as orações sem nenhuma dificuldade, Vc sabe o q eh internetês? Naum? Entaum tá na hra de aprender + sobre esse assunto! =),  acaba de descobrir que não só sabe como provavelmente também o usa!  A abreviação das palavras durante um bate-papo virtual é imperativo, precisando eliminar letras, sílabas inteiras e até mesmo a acentuação de alguns vocábulos na hora de conversar nos ambientes virtuais, tudo isso para deixar a comunicação mais dinâmica e mais parecida com nossas conversas da modalidade oral.
Essa linguagem simplificada e informal chamada internetês surgiu no ambiente da Internet, lá nos anos 1990. Sua principal função é conferir dinamismo às conversas. Para isso, inventamos uma sintaxe meio maluca, ignoramos as regras ortográficas e abusamos dos “emoticons”, que servem para traduzir em símbolos a maneira como nos sentimos, já que a escrita não conta com os mesmos recursos de expressividade disponíveis na oralidade.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Brasil uma potência paralímpica



O mundo é para quem se atreve.

Propaganda das Paralimpíadas  -  Rio 2016


Novamente brilhamos na abertura dos Jogos Paralímpicos, no Rio de Janeiro, na última quarta-feira, 7 de Setembro, e com isso, quem dera pudéssemos comemorar duas efemérides com dois bravos gritos de independência.
A abertura dos Jogos Paralímpicos 2016, no Rio de Janeiro foi, para mim, muito mais emocionante do que a da Olimpíada Rio 2016: houve um show de criatividade, tecnologia e de momentos imprevisíveis, mas que só adicionaram brilho, emoção e lição para todos nós, que nos consideramos “normais”.
Em um deles, a ex-paratleta Márcia Malsar, que sofre com paralisia cerebral, quando perdeu o equilíbrio enquanto carregava a tocha olímpica e caiu. Com a força de uma campeã dentro e fora das pistas, recusou qualquer ajuda, levantou-se e foi aplaudida de pé pelo Maracanã tão cheio de gente quanto na Olimpíada, abraçando em carinho e respeito os 4,3 mil atletas que desfilaram sob aplausos e chuva. Exemplo de resiliência, Márcia entregou a chama para a ex-velocista Ádria dos Santos, que tem seis participações em Jogos Paralímpicos, 537 medalhas conquistadas no Brasil e outras 70 internacionais. Ádria, então passou a tocha ao último condutor, Clodoaldo Silva, dono de 13 medalhas, sendo seis de ouro. Ao receber a chama, o nadador seguiu rumo à pira, mas se deparou com uma enorme e – para ele, cadeirante – intransponível escada. Nesse momento, a escada se abriu transformando-se em uma rampa de acesso e emocionando o público.
A intenção do Comitê Paralímpico foi justamente causar um momento de reflexão nos espectadores sobre a importância e a necessidade de um mundo desenhado para todos, de uma sociedade realmente igualitária. Esse milagre tecnológico, segundo o site hypeness, é ideia do designer Chan Wen Jie. Seu projeto, Convertible, consiste em um lance de escadas funcionais que se transforma em rampa para cadeirantes, bastando para isso apertar uma alavanca – um conceito user-friendly essencial para quem tem dificuldades de mobilidade.
Apesar do baixo orçamento, a abertura dos Jogos Paralímpicos primou por soluções criativas e sofisticadas. mudar o olhar, acolher a diversidade e conviver sem excluir. Com um espetáculo mutissensorial, a abertura da paralimpíada propiciou à plateia vivenciar a realidade dos atletas paralímpicos, pois instigou o público a usar os sentidos, transmitindo a mensagem para a população mudar a percepção em relação à pessoa com deficiência.
E a pessoa com deficiência esteve presente desde a concepção do espetáculo – a cerimônia foi idealizada pelo escritor, dramaturgo e cadeirante Marcelo Rubens Paiva, pelo design Fred Gelli, sócio da criativa e colaborativa Tátil design de ideias, e pelo artista plástico Vik Muniz, artista plástico brasileiro fotógrafo e pintor, conhecido por usar materiais inusitados em suas obras, como lixo, açúcar e chocolate – à execução do nosso Hino Nacional por João Carlos Martins, de 76 anos, pianista portador de Lesão por Esforço Repetitivo (LER) nas mãos e que já fez 22 cirurgias para amenizar o problema, ao belo espetáculo protagonizado por Amy Purdy, atleta de snowboard, e Kuka, o braço automotivo, ao impecável pas de deux dos dois dançarinos cegos, à loira atleta americana que rebolou com categoria sobre duas próteses, ao impressionante salto de um cadeirante sobre uma rampa em alta velocidade, à projeção do nadador e maior medalhista brasileiro em Paralimpíadas, Daniel Dias, atravessando o gramado com suas braçadas, à chegada dos protagonistas do acontecimento: os para-atletas, enquanto os nomes das delegações eram exibidos em um quebra-cabeças, muito original, transformado em um coração pulsante – em referência ao conceito central da cerimônia, resumido nas frases "O coração não conhece limites", em português, e"Everybody has a heart".
O Maracanã se curvou aos atletas que vencem suas deficiências e aprendeu a entender melhor o que virá pela frente nas competições.
Pena que, enquanto essa maravilha de criatividade, superação, perseverança e lição de vida acontecia, os telespectadores brasileiros continuavam alheios a ela, assistindo à programação normal das emissoras, com seu mundo-cão e novelas... Atleta paralímpico, ainda, não vende tênis, camiseta, desodorante e shampoo.
Neste ano, o Brasil, que espera ficar em quinto lugar ao final das competições, terá a maior delegação da história em Jogos Paralímpicos: serão 279 atletas, sendo 181 homens e 98 mulheres. Ao todo, 44 atletas de 11 modalidades já subiram ao pódio em paralimpíadas anteriores. Na de Londres, ficamos em sétimo lugar com 43 medalhas no total (21 de ouro, 14 de prata e oito de bronze). No ano passado, nos jogos Parapan-Americanos de Toronto, o Brasil ficou em primeiro lugar no quadro de medalhas, com 257 no total, sendo 109 de ouro, 74 de prata e 74 de bronze.
O que se percebe é que, desde 1960, quando 400 atletas disputaram em Roma os primeiros – e oficiosos – Jogos Paralímpicos, o campo paradesportivo caminhou do amadorismo abnegado para o profissionalismo. A percepção da mídia, no entanto, apesar de, cada vez mais, tentar eliminar o processo de estereotipagem, reforça a visão que considera a pessoa com deficiência como um problema clínico, tratável, e que, ao ser superado, rende-lhe, então, o mito de herói.
Representantes do Comitê Paralímpico Internacional (CPI) destacam a importância da adoção do esporte como forma de criar sociedades que valorizam a diversidade e a inclusão. Em sessão desse Comitê, a aprovação do certame das paralimpíadas mostra o poder do esporte de unir indivíduos, independentemente da sua condição física e mental, idade, raça, religião, habilidade, orientação sexual ou identidade de gênero.
O que vai ficar destes Jogos Paralímpicos Rio 2016 é uma grande dose de esperança, sem dúvida. Esperança de haver um tratamento inclusivo às pessoas com deficiência. Esperança de que, apesar de todas as adversidades, é bom que as pessoas com deficiência se dediquem ao desporto, e que queiram competir e obter resultados. Esperança de que nossa mídia, responsável pela construção da imagem desses atletas, melhore nosso conhecimento dessa parcela de pessoas e contribua para a mudança de paradigmas sociais em relação às pessoas com deficiência, porque é ela, a mídia, que vai promover a discussão do tema, visando a uma mudança de atitude da população, além de levar-lhe informação capaz de criar e transformar as normas comportamentais para que as pessoas com deficiência vivam uma vida plena, no sentido de participação na sociedade.
Entendo também os Jogos Paralímpicos como um recado provocativo aos jovens universitários brasileiros. Cadê a Mac-Med, a Pauli-Poli[1], dos anos 60 em São Paulo (só para citar as mais conhecidas)? Cadê a realização de torneios e disputas como antes se via, com grandes duelos entre as principais universidades do país? Com o olho na vontade e obstinação férrea desses jovens com deficiência, o que se deve esperar dos bem dotados?
As IES brasileiras poderiam espelhar-se nos números financeiros (só para abordar um dos ângulos da questão) das universidades norte-americanas e incentivar o esporte entre seus alunos: o esporte universitário nos Estados Unidos cresceu a tal ponto que a NCAA, entidade que dita regras e organiza competições, faturou US$ 913 milhões no ano fiscal de 2013 (R$ 2,1 bilhões), segundo reportagem do Globo Esporte.
Universidades americanas são a base do esporte nos Estados Unidos. É delas que saem atletas que disputam – e quase sempre vencem – Jogos Olímpicos e ligas profissionais como NFL (futebol americano), NBA (basquete), MLB (beisebol) e NHL (hóquei).
Segundo o antigo lema Mens sana in corpore sano, o esporte é essencial para a formação do indivíduo, numa prática que alia momentos de aprendizagem, lazer e saúde, numa abordagem integrativa e lúdica, de forma que o esporte não seja apenas um elemento de desempenho, mas também de desenvolvimento humano.
Que o legado destas paralimpíadas não sejam só de infraestrutura, mas sobretudo de mudança de mentalidade. Precisamos dar asas à nossa imaginação e à criatividade, assim como fizeram milhares de pessoas com deficiência. Elas venceram seus medos, não se renderam à autopiedade e são uma lição de vida para todos nós.
Para finalizar, fico com o grito de Vera Garcia[2]: “Qualquer tipo de deficiência física, seja ela por nascença, por acidente ou mesmo por doença, tem sua especificidade e singularidade. De uma maneira ou de outra a deficiência física acaba limitando o nosso corpo. No entanto, precisamos acreditar em nossa capacidade, habilidade e competência”.
[1] Mac-Med, nome dado aos jogos entre estudantes da hoje Universidade Mackenzie e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Pauli-Poli, disputas entre alunos da então Escola Paulista de Medicina e da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
[2]Vera Garcia é paulista, pedagoga e blogueira e amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância. http://www.deficienteciente.com.br/5-historias-de-superacao-incriveis.html