O mundo é para quem se atreve.
Propaganda das Paralimpíadas - Rio 2016
Novamente brilhamos na abertura dos Jogos Paralímpicos,
no Rio de Janeiro, na última quarta-feira, 7 de Setembro, e com isso, quem dera
pudéssemos comemorar duas efemérides com dois bravos gritos de independência.
A abertura dos Jogos Paralímpicos 2016, no Rio de Janeiro
foi, para mim, muito mais emocionante do que a da Olimpíada Rio 2016: houve um
show de criatividade, tecnologia e de momentos imprevisíveis, mas que só
adicionaram brilho, emoção e lição para todos nós, que nos consideramos
“normais”.
Em um
deles, a ex-paratleta Márcia Malsar, que sofre com paralisia cerebral, quando
perdeu o equilíbrio enquanto carregava a tocha olímpica e caiu. Com a força de
uma campeã dentro e fora das pistas, recusou qualquer ajuda, levantou-se e foi
aplaudida de pé pelo Maracanã tão cheio de gente quanto na Olimpíada, abraçando
em carinho e respeito os 4,3 mil atletas que desfilaram sob aplausos e chuva.
Exemplo de resiliência, Márcia entregou a chama para a ex-velocista Ádria dos
Santos, que tem seis participações em Jogos Paralímpicos, 537 medalhas
conquistadas no Brasil e outras 70 internacionais. Ádria, então passou a tocha
ao último condutor, Clodoaldo Silva, dono de 13 medalhas, sendo seis de ouro.
Ao receber a chama, o nadador seguiu rumo à pira, mas se deparou com uma enorme
e – para ele, cadeirante – intransponível escada. Nesse momento, a escada se
abriu transformando-se em uma rampa de acesso e emocionando o público.
A
intenção do Comitê Paralímpico foi justamente causar um momento de reflexão nos
espectadores sobre a importância e a necessidade de um mundo desenhado para
todos, de uma sociedade realmente igualitária. Esse milagre tecnológico,
segundo o site hypeness, é ideia do designer
Chan Wen Jie. Seu projeto, Convertible,
consiste em um lance de escadas funcionais que se transforma em rampa para
cadeirantes, bastando para isso apertar uma alavanca – um conceito user-friendly essencial para quem tem
dificuldades de mobilidade.
Apesar do baixo orçamento, a abertura dos Jogos
Paralímpicos primou por soluções criativas e sofisticadas. mudar o olhar, acolher a diversidade e conviver sem excluir.
Com um espetáculo mutissensorial, a abertura da paralimpíada propiciou à plateia vivenciar
a realidade dos atletas paralímpicos, pois instigou o público a usar os
sentidos, transmitindo a mensagem para a
população mudar a percepção em relação à pessoa com deficiência.
E a pessoa com
deficiência esteve presente desde a concepção do espetáculo – a cerimônia foi
idealizada pelo escritor, dramaturgo e cadeirante Marcelo Rubens Paiva, pelo design Fred Gelli, sócio da criativa e
colaborativa Tátil design de ideias,
e pelo artista plástico Vik Muniz, artista plástico brasileiro fotógrafo e
pintor, conhecido por usar materiais inusitados em suas obras, como lixo,
açúcar e chocolate – à execução do nosso Hino Nacional por João Carlos Martins,
de 76 anos, pianista portador de Lesão por Esforço Repetitivo (LER) nas mãos e
que já fez 22 cirurgias para amenizar o problema, ao belo espetáculo
protagonizado por Amy Purdy, atleta de snowboard, e Kuka, o braço automotivo, ao
impecável pas de deux dos dois
dançarinos cegos, à loira atleta americana que rebolou com categoria sobre duas
próteses, ao impressionante salto de um cadeirante sobre uma rampa em alta
velocidade, à projeção do nadador e maior medalhista brasileiro em
Paralimpíadas, Daniel Dias, atravessando o gramado com suas braçadas, à chegada
dos protagonistas do acontecimento: os para-atletas, enquanto os nomes das
delegações eram exibidos em um quebra-cabeças, muito original, transformado em
um coração pulsante – em referência ao conceito central da cerimônia, resumido
nas frases "O coração não conhece limites", em português, e"Everybody
has a heart".
O Maracanã se curvou aos atletas que vencem suas
deficiências e aprendeu a entender melhor o que virá pela frente nas
competições.
Pena que, enquanto essa maravilha de criatividade,
superação, perseverança e lição de vida acontecia, os telespectadores
brasileiros continuavam alheios a ela, assistindo à programação normal das
emissoras, com seu mundo-cão e novelas... Atleta paralímpico, ainda, não vende
tênis, camiseta, desodorante e shampoo.
Neste ano, o Brasil, que espera ficar em quinto lugar ao
final das competições, terá a maior delegação da história em Jogos
Paralímpicos: serão 279 atletas, sendo 181 homens e 98 mulheres. Ao todo, 44
atletas de 11 modalidades já subiram ao pódio em paralimpíadas anteriores. Na
de Londres, ficamos em sétimo lugar com 43 medalhas no total (21 de ouro, 14 de
prata e oito de bronze). No ano passado, nos jogos Parapan-Americanos de
Toronto, o Brasil ficou em primeiro lugar no quadro de medalhas, com 257 no
total, sendo 109 de ouro, 74 de prata e 74 de bronze.
O que se percebe é que, desde 1960,
quando 400 atletas disputaram em Roma os primeiros – e oficiosos – Jogos
Paralímpicos, o campo paradesportivo caminhou do amadorismo abnegado para o
profissionalismo. A percepção da mídia, no
entanto, apesar de, cada vez mais, tentar eliminar o processo de
estereotipagem, reforça a visão que considera a pessoa com deficiência como um
problema clínico, tratável, e que, ao ser superado, rende-lhe, então, o mito de
herói.
Representantes do Comitê Paralímpico Internacional (CPI) destacam a importância da adoção do esporte como forma de
criar sociedades que valorizam a diversidade e a inclusão. Em sessão desse Comitê, a aprovação do certame das paralimpíadas mostra o poder do
esporte de unir indivíduos, independentemente da sua condição física e mental, idade, raça, religião, habilidade,
orientação sexual ou identidade de gênero.
O que vai ficar destes Jogos
Paralímpicos Rio 2016 é uma grande dose de esperança, sem dúvida. Esperança de
haver um tratamento inclusivo às pessoas com deficiência. Esperança de que,
apesar de todas as adversidades, é bom que as pessoas com deficiência se
dediquem ao desporto, e que queiram competir e obter resultados. Esperança de
que nossa mídia, responsável
pela construção da imagem desses atletas, melhore nosso conhecimento dessa
parcela de pessoas e contribua para a mudança de paradigmas sociais em relação
às pessoas com deficiência, porque é ela, a mídia, que vai promover a discussão
do tema, visando a uma mudança de atitude da população, além de levar-lhe
informação capaz de criar e transformar as normas comportamentais para que as
pessoas com deficiência vivam uma vida plena, no sentido de participação na
sociedade.
Entendo
também os Jogos Paralímpicos como um recado provocativo aos jovens
universitários brasileiros. Cadê a Mac-Med, a Pauli-Poli[1], dos anos 60 em São
Paulo (só para citar as mais conhecidas)? Cadê a realização de torneios e
disputas como antes se via, com grandes duelos entre as principais
universidades do país? Com o olho na vontade e obstinação férrea desses
jovens com deficiência, o que se deve esperar dos bem dotados?
As IES brasileiras poderiam espelhar-se nos números
financeiros (só para abordar um dos ângulos da questão) das universidades
norte-americanas e incentivar o esporte entre seus alunos: o esporte
universitário nos Estados Unidos cresceu a tal ponto que a NCAA, entidade que
dita regras e organiza competições, faturou US$ 913 milhões no ano fiscal de 2013
(R$ 2,1 bilhões), segundo reportagem do Globo Esporte.
Universidades
americanas são a base do esporte nos Estados Unidos. É delas que saem atletas
que disputam – e quase sempre vencem – Jogos Olímpicos e ligas profissionais
como NFL (futebol americano), NBA (basquete), MLB (beisebol) e NHL (hóquei).
Segundo
o antigo lema Mens sana in corpore sano,
o esporte é essencial para a formação do
indivíduo, numa prática que alia momentos de aprendizagem, lazer e saúde, numa
abordagem integrativa e lúdica, de forma que o esporte não seja apenas um elemento
de desempenho, mas também de desenvolvimento humano.
Que o legado destas paralimpíadas não sejam só de
infraestrutura, mas sobretudo de mudança de mentalidade. Precisamos dar asas à
nossa imaginação e à criatividade, assim como fizeram milhares de pessoas com
deficiência. Elas venceram seus medos, não se renderam à autopiedade e são uma
lição de vida para todos nós.
Para finalizar, fico com o grito de Vera Garcia[2]: “Qualquer
tipo de deficiência física, seja ela por nascença, por acidente ou mesmo por doença,
tem sua especificidade e singularidade. De uma maneira ou de outra a
deficiência física acaba limitando o nosso corpo. No entanto, precisamos
acreditar em nossa capacidade, habilidade e competência”.
[1] Mac-Med,
nome dado aos jogos entre estudantes da hoje Universidade Mackenzie e da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Pauli-Poli, disputas entre
alunos da então Escola Paulista de Medicina e da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo.
[2]Vera
Garcia é paulista, pedagoga e blogueira e amputada do membro superior direito
devido a um acidente na infância.
http://www.deficienteciente.com.br/5-historias-de-superacao-incriveis.html
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