segunda-feira, 8 de maio de 2017

Carteira de Trabalho assinada: sem chance, peça de museu



“A sociedade em que cada qual podia esperar ter um lugar, um futuro direcionado, uma segurança, uma utilidade, essa sociedade –
a sociedade do trabalho – está morta.”André Gorz[1]
Prof. Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional 
signorinironey1@gmail.com

Ensinou-me a professora de história no colegial, que a filosofia nasceu na Ásia Menor, porque lá havia uma sociedade opulenta, que não precisava trabalhar e podia dedicar-se ao “ócio criativo”. Tomei emprestada a expressão de Domenico De Masi, para quem “vivemos em um mundo não mais industrial, mas pós-industrial, cuja sociedade se dividiu em dois grupos: os analógicos, impregnados pelo industrial e com medo de mudanças, e os digitais, que têm mais facilidade com a informação e são predispostos às inovações”. Ele explica que fazemos parte de uma sociedade em que a vida adulta é/era dedicada exclusivamente ao trabalho, mas que isso está mudando.
O declínio dos empregos estáveis e de tempo integral é um dos sinalizadores dessa mudança irreversível. Se o medo de que o desemprego se espalhe por todo o planeta é real, o temor de que as máquinas tomem o lugar dos homens não é novo: no século XIX, luditas[2] destruíram fábricas que substituíam trabalhadores braçais por máquinas a vapor.
No entanto, na história das "revoluções produtivas" o desemprego é momentâneo. A introdução da máquina no campo substituiu o homem, que migrou para a cidade à procura de novos empregos. Quando na cidade a máquina tomou-lhe o lugar nas fábricas, o homem foi para a área de serviços. Ou seja, o homem é resiliente, tem inteligência de longe, o mais versátil e o mais móvel dentre todos os ativos econômicos.
A adoção de máquinas no lugar da mão de obra humana permitiu que todo o mundo se tornasse mais rico. E aumento no padrão de vida está diretamente relacionado a um aumento na quantidade de bens e serviços disponíveis – tudo possibilitado pela automação.
Erik Brynjolfsson, diretor do centro do MIT para negócios digitais, e Andrew McAfee, também pesquisador do órgão e ex-professor de Harvard, em seu livro The second machine age, afirmam que estamos vivendo a maior transformação na história desde a Revolução Industrial: os computadores estão fazendo para nosso poder mental o que o motor a vapor fez para nosso poder físico.
O problema é que a inovação está ocorrendo rápido demais. Se antes uma ocupação demorava décadas para sumir, hoje elas morrem num passe de mágica: por exemplo, onde estão as locadoras de vídeo? e vendedores, caixas,


atendentes e funcionários de escritórios já não estão sendo substituídos por inovações tecnológicas?
Solução? No curto prazo, Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee recomendam foco total na educação, estímulos para o empreendedorismo e apoio à ciência. Sobreviver nesse novo mundo exige novas competências e habilidades relacionadas à gestão da própria carreira como se ela fosse um negócio.
Se o emprego está em crise, o empreendedorismo, não. A era do “fim do emprego” é só o efeito colateral do início de outra era – a do empreendedorismo de massa.
Glauco Cavalcanti, em seu artigo “Tempos modernos – o fim do emprego de Carlitos”[3], criou um interessante quadro (que reproduzo a seguir) adaptado do livro de Fernando Dolabela Oficina do empreendedor[4]. Nele, descrevem-se as características que permitem que o empreendedor se adapte melhor ao novo mercado do que as pessoas focadas no emprego tradicional.

Empreendedor
Empregado

É visionário
Consegue ver o futuro para seu negócio e para sua vida.
Dependente
Necessita de alguém para tornar-se produtivo; para trabalhar, precisa de supervisão.

Sabe explorar as oportunidades
Identifica mercados e cria produtos revolucionários que atendem o consumidor.
Tem visão restrita
Não busca conhecer o negócio como um todo (cadeia produtiva, dinêmica dos mercados, evolução do setor).

É criativo
Cria produtos e serviços nos quais ninguém havia pensado antes.

Pouco criativo
Não se preocupa com o que não existe ou não é feito, apenas procura entender o que já existe, especializando e melhorando a ideia dos outros.

Sabe tomar decisões
Não se sente inseguro para decidir, mesmo em momentos críticos.
Pouco oportunista
Não se preocupa em transformar as necessidades do consumidor em produtos/serviços rentáveis.

É determinado e dinâmico
Comprometido com o que faz, atropela as adversidades. Mantém-se dinâmico e cultiva certo inconformismo diante da rotina.
Acomodado
Não é proativo, apenas reativo. Só percebe que está em perigo quando recebe a carta de demissão.

É apaixonado pelo que faz
Adora o trabalho que realiza, e é essa satisfação que o leva ao sucesso.
Medroso
Tem medo de errar, prefere participar de projetos com baixo risco e de preferência com algum supervisor com muita experiência de mercado.

Planeja
Tem um elaborado Plano de Negócio.
Estuda pouco
Não se atualiza e fica obsoleto para o mercado de trabalho, sua única forma de reciclagem são os cursos que a empresa fornece e julga importantes para o empregado.

Assume riscos calculados
Sabe gerenciar o risco, avaliando as reais chances de sucesso.
Detesta tomar decisões
Sente-se ameaçado quando tem de tomar uma decisão e busca a solução menos arriscada e que gera menor desgaste pessoal.
Cria valor para a sociedade
Gera empregos, dinamiza a economia, inova e procura melhorar a vida das pessoas com seus produtos.
Não planeja
Vive o aqui agora, não está pensando no futuro, apenas na próxima visita da alta gerência da empresa. Seu único planejamento é para atender a chefia no curto prazo.

Nesse contexto, é difícil acreditar que algum dia se volte a ter algo parecido com o pleno emprego. Se o emprego da forma como o conhecemos hoje tende a ser cada vez mais escasso, por que continuamos exclusivamente a formar jovens para serem empregados? Por que não formamos também nossos jovens para serem empregadores? Ou, melhor, empreendedores?
O mundo está mudando profundamente e não se pode impor aos jovens desejos, anseios e medos de gerações passadas. É preciso formá-los/instrumentalizá-los para o empreendedorismo: para o trabalho autônomo, para o associativismo, para o cooperativismo, que surgem como novas possibilidades de geração de trabalho e renda na economia criativa.
Essa ideia das novas formas de trabalho, e não exclusivamente de emprego, tem de ser levada para o jovem desde o ciclo básico até a universidade, de modo que ele seja educado para a mudança e não para estabilidade. Ele deve ser ensinado a conviver com o risco e aprender com ele, a pensar grande, a ter autoestima, coragem, confiança e capacidade para gerir a própria vida, vendo na mudança oportunidade e não ameaça. Como já disse Érico Veríssimo, “quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento”.
Estão as IES preparadas para o desafio? De que lado da coluna estão seus colaboradores?


[1] André Gorz (1923-2007): filósofo austro-francês, também conhecido pelo pseudônimo Michel Bosquet. Como jornalista, ajudou a fundar em 1964 o semanário Le Nouvel Observateur.
[2] Ludita: partidário do ludismo, movimento coletivo, iniciado por Ned Ludd, que se estendeu pela Inglaterra desde o início do século XIX e que era contrário à mecanização do trabalho e visava à destruição da máquina, responsabilizando-a pelo desemprego e pela miséria social nos meios de produção.
[3] http://www.rh.com.br/Portal/Mudanca/Artigo/6337/tempos-modernos-o-fim-do-emprego-de-carlitos.html
[4] http://www.martinsfontespaulista.com.br/anexos/produtos/capitulos/535380.pdf

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