Gênese da
Pesquisa Científica
Marcos Formiga é um
desses provocadores que não pode ver ninguém relaxando, em paz com tudo. Diante
disso ele vem com alfinetadas e agulhas para trazer um assunto novo, nem tanto
assim, para nos levar a reflexões. Desta vez ele relata sobre a Pesquisa no
Brasil, a falta que faz a tecnologia.
Não sem razão, aliás, coberto de razão se analisarmos o
que a educação do fundamental à universidade cobra dos estudantes, mesmo que
embrionariamente, trabalhos escolares que de simples consultas podem se
transformar em pesquisas. É verdade que algum esforço nesse sentido criou as
velhas Feiras de Ciências que por essas mais aquelas incentivavam e estimulavam
a garotada a produzir algo.
Um pouco mais recentemente, o SEMESP criou o CONIC – Congresso Nacional de Iniciação Científica que não deixa de ser, também, um grande estimulador de pesquisas na universidade. Para o desse ano, 17ª. Edição, já se esperam mais de 2 mil participações.
Não se pode omitir ainda que os Trabalhos de Conclusão de Curso sejam estimuladores
Um pouco mais recentemente, o SEMESP criou o CONIC – Congresso Nacional de Iniciação Científica que não deixa de ser, também, um grande estimulador de pesquisas na universidade. Para o desse ano, 17ª. Edição, já se esperam mais de 2 mil participações.
Não se pode omitir ainda que os Trabalhos de Conclusão de Curso sejam estimuladores
para uma vivência embrionária do que pode vir a ser um
dissertação de mestrado ou tese de doutoramento.
Entretanto, é Marcos que ao abordar o tema deseja
estabelecer um início quando da formação da universidade brasileira: A pesquisa
cientifica no Brasil surge fora da universidade, pois esta ainda não existia.
Os cursos de nível superior surgem tardiamente em relação
aos países da América Latina (Peru Republica Dominicana, México).
O curso de engenharia naval (o primeiro) no Rio de
Janeiro, seguido por quatro outros criados por D João VI, ao chegar no Brasil
em 1808 (Direito em Olinda e São Paulo Medicina em Salvador e Rio de Janeiro),
surgiram sem vinculação com a pesquisa. Até porque, a Universidade como
instituição só internalizou a pesquisa em 1810, por iniciativa de Humbolt na
Alemanha (ainda em constituição como unidade política em país).
A pesquisa brasileira em suas origens está relacionada às
expedições cientificas e visitas de artistas, cientistas ligados à natureza. Em
1637, Maurício de Nassau trouxe uma plêiade de naturalistas, botânicos,
biólogos, pintores, mineralogistas e entomologistas. Em 1816 uma missão
francesa traz escritores intelectuais, arquitetos e artistas plásticos,
seguida, em 1817 de uma missão austríaca.
Um laboratório “a céu aberto” estava disponível em toda
parte do território brasileiro A riqueza dos recursos naturais e a beleza
virgem da vegetação, ao lado da diversidade ofereciam a exuberância da fauna e
flora além de minérios e muita água em caudalosos rios, plenos de variedades
pesqueiras Deste modo os estudiosos investigadores (como eram chamados
antigamente os pesquisadores) intelectuais e clérigos de diferentes
denominações católicas, são responsáveis pelo diversificado acervo de atlas e
mapas geográficos, anatomia e fisiologia de animais e plantas, que ao lado da
descoberta do inédito e exótico, eram classificados em famílias e espécies
também ligadas à natureza, sob a forma de descrições artísticas.
Somente no século XIX surgiram alguns institutos de
pesquisas como entidades de cunho cientifico, e deles surgiriam, mais tarde
algumas universidades. A título de exemplo o Museu Paraense Emílio Goeldi
(1866) é a primeira unidade de pesquisa social do Brasil, Observatório Nacional
(1827), Jardim Botânico (1808) e Instituto Agronómico de Campinas (1887), Museu
de Mineralogia de Ouro Preto e, no limiar do século XX, Manguinhos (1900),
atual FIOCRUZ no Rio de Janeiro e Instituto Butantan (1900) em São Paulo.
Após tentativas e constantes descontinuidades, o Brasil
despertou para a importância da Universidade, ainda como instituição de
formação de recursos humanos que não agregava pesquisa. Paraná, Minas Gerais,
Amazonas e Rio de Janeiro, tentaram criar por iniciativa estadual suas
Universidades. Todas interrompidas. Somente com a derrota (1932) do Estado de
São Paulo e a vinda de outra Missão Francesa por iniciativa do Governador
Armando Salles de Oliveira com apoio do empresariado liderado pelo Jornalista
Júlio de Mesquita Filho, a USP, cria-se, de fato, em 1934. Desde seu nascedouro
assentada em forte preocupação com a pesquisa cientifica. Este casamento entre
Formação e Pesquisa, fez vingar a nossa mais antiga e tardia instituição de
Educação Superior, sob a forma de Universidade. O caso brasileiro difere dos países
que fizeram a Revolução Industrial entre os Séculos XVIII e XIX, e logo
despertaram para a importância da tecnologia e a necessidade de as
indústrias incumbentes associarem-se à pesquisa tecnológica, mesmo que
timidamente, aproximando-se das universidades acadêmicas existentes.
O conceito “Tecnologia” passou despercebido pela
Universidade brasileira ate o final do terceiro quarto do Século XX.
A ABC-Academia Brasileira de Cièncas (1917), e a SBPC-Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciència (1948) bem como o CNPq e a CAPES, ambos
criados em 1951, louvavam a Ciência, mas esqueceram da Tecnologia. Este exemplo
identifica a fragilidade do Sistema Brasileiro de Pesquisa focada na tecnologia.
Como afirmado somente no último quartel do Século XX, irão surgir os primeiros
sinais da importância do setor tecnológico. Paradoxalmente, o Brasil foi capaz
de se industrializar sem dispor de instituições fortes em tecnologia; dai a
adoção do modelo “mais fácil” de substituição de importações.
Tecnologia é a aplicação prática do Conhecimento. Só
em pleno regime militar, o CNPq muda seu perfil; passa de um Conselho Nacional
de Pesquisa, para Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico.
A mudança terminológica constitui um avanço, mas o foco brasileiro pela
tecnologia ainda está na infância. O Governo com a ausência da Sociedade optou
por um modelo cêntrico em Ciências Básicas, daí sua explícita preferência pelo
cientificismo, vide os Institutos, antes do CNPq, agora no MCTIC, voltados para
a Física (CBPF), Matemática (IMPA), Biologia (INPA-AM), Pesquisas Espaciais
(INPE), etc.
Desse modo o Brasil é um caso raro, talvez único, de
país que se industrializou sem a participação de sua Universidade. O grande
esteio como entidade de formação de recursos
humanos para a indústria foi a CNI (1938) com a criação do
paradigmático SENAI.
Em 1985 o CNPq cedeu sua competência cientifica
reconhecida e seu capital humano para instalar o novo Ministério, criado pelo
Presidente Tancredo Neves; Ministério da Ciência Tecnologia – MCT. A Tecnologia
passa a contar com um Ministério, mas a pesquisa tecnológica continua
incipiente, mesmo com um conjunto de instituição setoriais ou especializadas
que apoiavam o desenvolvimento da indústria FINEP (1967), INPI (1970), IMMETRO
(1961), INMET (1909), ITA (1950), IEAPM (1984), CEPEM (1955), EMBRAPA (1972).
Com a evolução da indústria brasileira e a forte presença
de indústrias internacionais, estas preferiram instalar suas plantas e
montadoras (setor automobilístico) sem dispor de unidades de pesquisa e
desenvolvimento (P&D, ou R&D em inglês). Somente as maiores empresas
brasileiras e estatais contratam pesquisadores e engenheiros para seus
laboratórios
Mesmo assim o Brasil foi capaz de desenvolver pesquisa
tecnológica de classe mundial em setores reconhecidos, responsáveis pelos
principais itens da nossa pauta exportações com conteúdo tecnológico: em Terra –
EMBRAPA, no Mar - PETROBRAS e no Ar-EMBRAER.
O desafio: desenvolvimento tecnológico para inovação.
Paises de industrialização marcante Pós-Segunda Grande
Guerra como, Alemanha e Japão (casos de reindustrialização), e durante a Guerra
Fria, os chamados Tigres Asiáticos (Hong Kong, Correia do Sul, Taiwan e
Singapura) deliberadamente, optaram e desenvolveram forte pesquisa tecnológica.
Inicialmente, copiaram casos de sucesso industrial: o Japão foi referência, mas,
em seguida, ganharam autonomia. A China é o exemplo brilhante cujo protagonismo,
a qualifica, na virada o Século XX como a “grande fábrica do mundo”. A
preferência pelo desenvolvimento tecnológico do
Sudeste Asiático, é hoje acrescida por Indonésia, Vietnã, Malásia e Macau. O
dinamismo e o ritmo acelerado desses países correlacionam-se à opçào
preferencial pelo tecnologismo, sem dispensar a pesquisa cientifica básica,
porém, declaradamente, colocando-a em um digno segundo lugar.
Este modelo de viés tecnológico já havia se provado
bem-sucedido nos Estados Unidos e Europa Ocidental, países que formam seus
doutores, preferencialmente, para o setor produtivo. Daí, a relaçào inversa no
Brasil onde a indústria emprega apenas 20% e a Academia monopoliza 80% dos
doutores nacionais.
O Brasil, na segunda metade do Século XX, graças ao
trabalho do CNPq, CAPES, FINEP e FAPESP, foi capaz de construir a segunda maior
rede de Pós-graduação stricto sensu dentre os países em desenvolvimento com cursos de Mestrado e Doutorado de
classe mundial, majoritariamente em Universidades. Institutos Públicos de
Pesquisa. Isso fez surgir uma espécie de “Joia da Coroa' da Educação Nacional
(pós- graduação). Entretanto, tal avanço criou uma pirâmide invertida. O
sistema nacional de educação descuidou, sacrificou, injustificavelmente, a
Educação Básica - pilar do desenvolvimento cientifico e tecnológico de todos os
paises que alcançaram o status de desenvolvido, rico, de economia avançada. O
Brasil continua preso à “armadilha da renda média”, com uma economia
predominantemente endógena baseada em pequena ou moderada intensidade
tecnológica (salvo os honrosos casos citados) e exportação massiva de matérias
primas (commoddities) com baixo valor agregado.
O Brasil com sua rede de Pós-graduação e incentivo, fomento à produção científica, destaca-se pelo número de “papers" publicados em veículos indexados internacionalmente (13° lugar). Entretanto, ao analisarmos o impacto e a capacidade do País transformar conhecimento cientifico em riqueza e negócios, a classificação adquire pouco destaque qualitativo, a ponto de um Ministro da área ter afirmado o “Brasil não sabe transformar conhecimento em riqueza”.
Tal realidade produz atraso tecnológico (desindustrialização, perda seguida de posições em rankings de competitividade entre países industrializados); ociosidade da indústria (atualmente em torno de 30%); incapacidade de participar e competir em cadeias industriais globais, e ainda, um parque industrial de baixa complexidade (51° posição). Portanto, nosso desenvolvimento tecnológico não condiz com uma economia ainda entre as 10 maiores do mundo medida pelo PIB nominal.
Falta-nos uma série de requisitos para superar estas “desvantagens competitivas”. Em consequência, a dificuldade em inovar. Talvez, o mais grave: aqui ainda não funciona a indispensável Tríplice Hélice: união e ação entre a Academia, o Governo e as Empresas.
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