segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Universidade Tardia Surge no Século XX



Gênese da Pesquisa Científica

Marcos Formiga é um desses provocadores que não pode ver ninguém relaxando, em paz com tudo. Diante disso ele vem com alfinetadas e agulhas para trazer um assunto novo, nem tanto assim, para nos levar a reflexões. Desta vez ele relata sobre a Pesquisa no Brasil, a falta que faz a tecnologia.

Não sem razão, aliás, coberto de razão se analisarmos o que a educação do fundamental à universidade cobra dos estudantes, mesmo que embrionariamente, trabalhos escolares que de simples consultas podem se transformar em pesquisas. É verdade que algum esforço nesse sentido criou as velhas Feiras de Ciências que por essas mais aquelas incentivavam e estimulavam a garotada a produzir algo.
Um pouco mais recentemente, o SEMESP criou o CONIC – Congresso Nacional de Iniciação Científica que não deixa de ser, também, um grande estimulador de pesquisas na universidade. Para o desse ano, 17ª. Edição, já se esperam mais de 2 mil participações.
Não se pode omitir ainda que os Trabalhos de Conclusão de Curso sejam estimuladores
para uma vivência embrionária do que pode vir a ser um dissertação de mestrado ou tese de doutoramento.

Entretanto, é Marcos que ao abordar o tema deseja estabelecer um início quando da formação da universidade brasileira: A pesquisa cientifica no Brasil surge fora da universidade, pois esta ainda não existia.
Os cursos de nível superior surgem tardiamente em relação aos países da América Latina (Peru Republica Dominicana, México).
O curso de engenharia naval (o primeiro) no Rio de Janeiro, seguido por quatro outros criados por D João VI, ao chegar no Brasil em 1808 (Direito em Olinda e São Paulo Medicina em Salvador e Rio de Janeiro), surgiram sem vinculação com a pesquisa. Até porque, a Universidade como instituição só internalizou a pesquisa em 1810, por iniciativa de Humbolt na Alemanha (ainda em constituição como unidade política em país).

A pesquisa brasileira em suas origens está relacionada às expedições cientificas e visitas de artistas, cientistas ligados à natureza. Em 1637, Maurício de Nassau trouxe uma plêiade de naturalistas, botânicos, biólogos, pintores, mineralogistas e entomologistas. Em 1816 uma missão francesa traz escritores intelectuais, arquitetos e artistas plásticos, seguida, em 1817 de uma missão austríaca.

Um laboratório “a céu aberto” estava disponível em toda parte do território brasileiro A riqueza dos recursos naturais e a beleza virgem da vegetação, ao lado da diversidade ofereciam a exuberância da fauna e flora além de minérios e muita água em caudalosos rios, plenos de variedades pesqueiras Deste modo os estudiosos investigadores (como eram chamados antigamente os pesquisadores) intelectuais e clérigos de diferentes denominações católicas, são responsáveis pelo diversificado acervo de atlas e mapas geográficos, anatomia e fisiologia de animais e plantas, que ao lado da descoberta do inédito e exótico, eram classificados em famílias e espécies também ligadas à natureza, sob a forma de descrições artísticas.
Somente no século XIX surgiram alguns institutos de pesquisas como entidades de cunho cientifico, e deles surgiriam, mais tarde algumas universidades. A título de exemplo o Museu Paraense Emílio Goeldi (1866) é a primeira unidade de pesquisa social do Brasil, Observatório Nacional (1827), Jardim Botânico (1808) e Instituto Agronómico de Campinas (1887), Museu de Mineralogia de Ouro Preto e, no limiar do século XX, Manguinhos (1900), atual FIOCRUZ no Rio de Janeiro e Instituto Butantan (1900) em São Paulo.

Após tentativas e constantes descontinuidades, o Brasil despertou para a importância da Universidade, ainda como instituição de formação de recursos humanos que não agregava pesquisa. Paraná, Minas Gerais, Amazonas e Rio de Janeiro, tentaram criar por iniciativa estadual suas Universidades. Todas interrompidas. Somente com a derrota (1932) do Estado de São Paulo e a vinda de outra Missão Francesa por iniciativa do Governador Armando Salles de Oliveira com apoio do empresariado liderado pelo Jornalista Júlio de Mesquita Filho, a USP, cria-se, de fato, em 1934. Desde seu nascedouro assentada em forte preocupação com a pesquisa cientifica. Este casamento entre Formação e Pesquisa, fez vingar a nossa mais antiga e tardia instituição de Educação Superior, sob a forma de Universidade. O caso brasileiro difere dos países que fizeram a Revolução Industrial entre os Séculos XVIII e XIX, e logo despertaram para a importância da tecnologia e a necessidade de as indústrias incumbentes associarem-se à pesquisa tecnológica, mesmo que timidamente, aproximando-se das universidades acadêmicas existentes.

O conceito “Tecnologia” passou despercebido pela Universidade brasileira ate o final do terceiro quarto do Século XX.

A ABC-Academia Brasileira de Cièncas (1917), e a SBPC-Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciència (1948) bem como o CNPq e a CAPES, ambos criados em 1951, louvavam a Ciência, mas esqueceram da Tecnologia. Este exemplo identifica a fragilidade do Sistema Brasileiro de Pesquisa focada na tecnologia. Como afirmado somente no último quartel do Século XX, irão surgir os primeiros sinais da importância do setor tecnológico. Paradoxalmente, o Brasil foi capaz de se industrializar sem dispor de instituições fortes em tecnologia; dai a adoção do modelo “mais fácil” de substituição de importações.

Tecnologia é a aplicação prática do Conhecimento. Só em pleno regime militar, o CNPq muda seu perfil; passa de um Conselho Nacional de Pesquisa, para Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico. A mudança terminológica constitui um avanço, mas o foco brasileiro pela tecnologia ainda está na infância. O Governo com a ausência da Sociedade optou por um modelo cêntrico em Ciências Básicas, daí sua explícita preferência pelo cientificismo, vide os Institutos, antes do CNPq, agora no MCTIC, voltados para a Física (CBPF), Matemática (IMPA), Biologia (INPA-AM), Pesquisas Espaciais (INPE), etc.

Desse modo o Brasil é um caso raro, talvez único, de país que se industrializou sem a participação de sua Universidade. O grande esteio como entidade de formação de recursos humanos para a indústria foi a CNI (1938) com a criação do paradigmático SENAI.

Em 1985 o CNPq cedeu sua competência cientifica reconhecida e seu capital humano para instalar o novo Ministério, criado pelo Presidente Tancredo Neves; Ministério da Ciência Tecnologia – MCT. A Tecnologia passa a contar com um Ministério, mas a pesquisa tecnológica continua incipiente, mesmo com um conjunto de instituição setoriais ou especializadas que apoiavam o desenvolvimento da indústria FINEP (1967), INPI (1970), IMMETRO (1961), INMET (1909), ITA (1950), IEAPM (1984), CEPEM (1955), EMBRAPA (1972). Com a evolução da indústria brasileira e a forte presença de indústrias internacionais, estas preferiram instalar suas plantas e montadoras (setor automobilístico) sem dispor de unidades de pesquisa e desenvolvimento (P&D, ou R&D em inglês). Somente as maiores empresas brasileiras e estatais contratam pesquisadores e engenheiros para seus laboratórios

Mesmo assim o Brasil foi capaz de desenvolver pesquisa tecnológica de classe mundial em setores reconhecidos, responsáveis pelos principais itens da nossa pauta exportações com conteúdo tecnológico: em Terra – EMBRAPA, no Mar - PETROBRAS e no Ar-EMBRAER.

O desafio: desenvolvimento tecnológico para inovação.
Paises de industrialização marcante Pós-Segunda Grande Guerra como, Alemanha e Japão (casos de reindustrialização), e durante a Guerra Fria, os chamados Tigres Asiáticos (Hong Kong, Correia do Sul, Taiwan e Singapura) deliberadamente, optaram e desenvolveram forte pesquisa tecnológica. Inicialmente, copiaram casos de sucesso industrial: o Japão foi referência, mas, em seguida, ganharam autonomia. A China é o exemplo brilhante cujo protagonismo, a qualifica, na virada o Século XX como a “grande fábrica do mundo”. A preferência pelo desenvolvimento tecnológico do Sudeste Asiático, é hoje acrescida por Indonésia, Vietnã, Malásia e Macau. O dinamismo e o ritmo acelerado desses países correlacionam-se à opçào preferencial pelo tecnologismo, sem dispensar a pesquisa cientifica básica, porém, declaradamente, colocando-a em um digno segundo lugar.
Este modelo de viés tecnológico já havia se provado bem-sucedido nos Estados Unidos e Europa Ocidental, países que formam seus doutores, preferencialmente, para o setor produtivo. Daí, a relaçào inversa no Brasil onde a indústria emprega apenas 20% e a Academia monopoliza 80% dos doutores nacionais.

O Brasil, na segunda metade do Século XX, graças ao trabalho do CNPq, CAPES, FINEP e FAPESP, foi capaz de construir a segunda maior rede de Pós-graduação stricto sensu dentre os países em desenvolvimento com cursos de Mestrado e Doutorado de classe mundial, majoritariamente em Universidades. Institutos Públicos de Pesquisa. Isso fez surgir uma espécie de “Joia da Coroa' da Educação Nacional (pós- graduação). Entretanto, tal avanço criou uma pirâmide invertida. O sistema nacional de educação descuidou, sacrificou, injustificavelmente, a Educação Básica - pilar do desenvolvimento cientifico e tecnológico de todos os paises que alcançaram o status de desenvolvido, rico, de economia avançada. O Brasil continua preso à “armadilha da renda média”, com uma economia predominantemente endógena baseada em pequena ou moderada intensidade tecnológica (salvo os honrosos casos citados) e exportação massiva de matérias primas (commoddities) com baixo valor agregado.

O Brasil com sua rede de Pós-graduação e incentivo, fomento à produção científica, destaca-se pelo número de “papers" publicados em veículos indexados internacionalmente (13° lugar). Entretanto, ao analisarmos o impacto e a capacidade do País transformar conhecimento cientifico em riqueza e negócios, a classificação adquire pouco destaque qualitativo, a ponto de um Ministro da área ter afirmado o “Brasil não sabe
transformar conhecimento em riqueza”.

Tal realidade produz atraso tecnológico (desindustrialização, perda seguida de posições em rankings de competitividade entre países industrializados); ociosidade da indústria (atualmente em torno de 30%); incapacidade de participar e competir em cadeias industriais globais, e ainda, um parque industrial de baixa complexidade (51° posição). Portanto, nosso desenvolvimento tecnológico não condiz com uma economia ainda entre as 10 maiores do mundo medida pelo PIB nominal.

Falta-nos uma série de requisitos para superar estas “desvantagens competitivas”. Em consequência, a dificuldade em inovar. Talvez, o mais grave: aqui ainda não funciona a indispensável Tríplice Hélice: união e ação entre a Academia, o Governo e as Empresas.

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